quarta-feira, 27 de abril de 2011

Quando eu morrer....

Serei, no fim de tudo, morto e poeta.
Guardarei o amor que sempre tive por meta
No convite da derradeira despedida
Na essência de minha pretérita e extinta vida.

Não erguerei lápide com epitáfio irreverente
Erguerei o monumento de minha paixão
Que mentiu e no além ainda mente;
Que foi como os ébrios vivos são:
Verdadeiros, mentirosos e inconseqüentes.

[Mentir é amar com toda intensidade
É dizer que o que sente é deveras maior
É tornar todo um universo cósmica verdade.]

Deixarei um legado de rabiscos sem assinatura
Para que, numa clareira lunar, poeta alma os encontre
E os transforme em mentiras/verdades com nova moldura.
No mais, não me aflige a idéia de morrer.
Porque, após o réquiem da minha madrugada,
Vou para longe.
Buscar onde o lirismo tange
Para poder, em outros corações, fazer nova alvorada.


Eder de A. Benevides

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Baby

Então baby, a sua ressaca não passará. Não tenha o trabalho de se levantar. Arraste-se mesmo para sarjeta da qual pertence, com os vícios dos quais se acostumou; com os gostos de vômito e excretas dos quais está habituada. Cansei do fio circunscrito que representa a sua sanidade. Baby, perdi o sorriso, perdi o olhar, perdi o toque, perdi o tesão, perdi a loucura. Agora me resta o vinho oxidado e denso da sua influência.

Se pensa que ainda te amo, sugiro que não me instigue. Que não me teste com as suas peripécias e seu hálito de predadora. Não sou mais um camundongo indefeso. Não sou mais um pênis em que possa cavalgar em dias de solidão sufocante. Tornei-me hermético para os seus botes venenosos. Você quis abusar do adultério e me envolver em suas orgias pútridas, mas esquecera que o meu corpo não é feito do mesmo barro que o seu; que não me afeiçôo por vaginas sem rostos e por mamilos randômicos.

Ai, como me arrependo de ter me deixado envolver. Conhecera-a com um vestido lunar e com o ímpeto no cheiro. Tornei-me o ímpeto e todo o resto. Para mim, um toque nunca fora uma miscelânea de profusões epidérmicas, cardíacas e alucinógenas. Antes de você, baby, o toque era apenas o usual meio para o gozo e esquecimento.

Vivi, contigo, o gozo pelo gozo. Ainda sinto o seu salto alto em meu peito. Escuto de novo a súplica por mais. E como você quis mais! Não se saciou. Adentrou as casas noturnas dos ébrios e insaciáveis em busca de prazer. Amiúde, foi consumida pela total falta de limites. Baby, fui consumido por sua total falta de limites. Compartilhei os lençóis úmidos das madrugadas púrpuras ao seu lado. A assisti no frenesi lascivo com outros homens, senti néctares que não eram seus em meus dedos. Perdemos o controle. Não, você perdeu o controle! Fui rendido, sem direito a reagir, pelos seus jogos.

Aquilo não fazia parte de meu ímpeto, alias, havia perdido o meu próprio ímpeto. Fiz parte dos seus caprichos e fetiches por muito tempo, até que numa alvorada, após uma insônia de frivolidades, acordei para mim. Estava viciado em sua sordidez e a cada dia estava mais embriagado. Tentei nos tirar daquele lugar quotidiano, todavia você não quis sair dalí. Percebeu meu movimento de fuga e, como uma viúva negra, tentou me devorar. Devorar o macho e o incorporar a si definitivamente.

Implora para que eu volte, mas para que? Para que me quer se o seu prazer é não me querer? Alias, me querer ali como observador do seu querer por outros quereres. Diz que me ama com as mãos desesperadas por debaixo de minhas calças, ansiosa por sentir meu gosto, porém à milhas de sentir a minha alma. Hoje posso enxergar a sua alma diafanamente, sem enganos, truques e ilusões de ótica. Você se tornou muito óbvia para mim. Baby, será que um dia poderá enxergar o meu âmago? Desculpe, mas acho que nunca.

Baby, não há mais volta. Os caminhos que seguiu são irreversíveis. Esse mundo faz parte de você. Esse mundo é você. Volte para a sua orgia e me esqueça. Se, pelo destino, me encontrar pela rua, esconda de mim os seus sapatos de salto alto. Quebre-os, tire-os, desfaça-se deles no mesmo instante, porque não quero mais me lembrar da pressão de seu corpo sobre o meu peito; das cicatrizes indeléveis que o seu tesão deixou. Não serei capaz de te esquecer jamais, mas, também, não preciso me lembrar que sempre estive sob os seus pés.

Eder de A. Benevides

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O Outro Platônico

Conhecera-o na insônia confusa desses dias que não sabemos ao certo se era dia ou noite. Aproximou-se de forma abrupta, porém não era a sua forma convencional de agir. Agia com parcimônia e aparente indiferença. Expor-se era algo raríssimo. A rasura do convívio era, simultaneamente, o seu porto seguro e sua gradativa morte. Ninguém tinha a permissão de adentrar os seus domínios e desvendar o seu interior. Concedia esse direito, com muito pesar, naquelas horas em que o ar faltava e o coração precisava fugir da clausura. Criara um mundinho só seu em que viver era basicamente uma série de afazeres pragmáticos. Não podia sentir de verdade, não podia chorar nem suspirar, não podia ir adiante no que o fazia mais falta: viver.

Encontrar alguém que o fizesse quebrar os seus paradigmas era demasiado assustador. Ficara vexado pelas suas próprias revelações que, apesar de não serem vexatórias, para ele significavam uma violação de sua integridade. Permitia que ele se aproximasse em alguns momentos pouco compreendidos por ele, mas, quando se dava conta do que ocorria, o repelia com uma frieza quase que inquebrantável. Combinavam em tantas coisas. Ideologia, literatura, cinema, cozinha e em gostos do quotidiano. Mas eram também diferentes em várias outras. Eram distintos no tino e na forma de guiar a vida. O outro era intenso, aberto e bem resolvido. Ele já era fechado, superficial e cheio de dúvidas das quais preferia não pensar sobre. Fugia de si mesmo e das oportunidades de se encontrar que o foram apresentadas. Sexualidade, afetividade e amor próprio eram coisas que o atormentavam. Dessa forma preferira as ignorar e se concentrar no seu medíocre dia de tarefas mecânicas e pré-determinadas.

As memórias o traiam. As vezes, em que conseguira ser intenso ao lado dele, foram arrebatadoras. Dividiram dias, desses que importam em nossas vidas. Um dia trocaram um olhar arrastado e invasivo que o excitou no ponto em que os seus medos cruzavam com a sua vontade. Outro dia atravessaram a madrugada entre as estórias de um e de outro. O sol e a lua não se distinguiam. A paciência e a alegria do rapaz ao ouvir as suas estórias mais frívolas, os segredos mais bobos, o arrancavam da pele. Sentia o prazer que as suas peculiaridades causavam e se perdia nessa conexão. Um elo fora criado sem o seu consentimento. Sentia-se admirado e querido. Alguém queria conquistá-lo e não estava acostumado com a situação. Tudo o envolvera profundamente, de uma forma que aquele joguete tornou-se uma via pela qual vivia com riscos reduzidos. A cada olhar profundo que trocava, a cada sorriso que devolvia, a cada vez que o tocava ou era tocado por ele, parecia que respirava o ar da liberdade. Fugia assim do seu cárcere quotidianamente. Quando achava que se aproximava demais, usava o seu monumento de gelo para impor o seu limite, podia ser frio e indiferente quando queria. Era covarde, apesar de tudo.

A covardia não o permitiu enxergar aquele rapaz que tanto tinha apreço por ele, enxergava apenas as sensações que eram proporcionadas; Apenas os carinhos, dengos e afeições. O objeto de sua liberdade não era a pessoa. O seu prazer estava naqueles breves momentos de intimidade. Aprazia-se com as oportunidades de descarregar o peso da rotina nas esperanças de quem há tempos estava apaixonado por ele. A covardia converteu-se em crueldade. Viu que o outro sofria; que a cada dia daquela peleja as suas olheiras ficavam mais fundas; que os seus sorrisos se degradavam; que a vontade de concretizar aquele amor já se tornava, amiúde, uma obsessão. Aproveitava-se das fragilidades do romântico. Quando percebia que havia muito tempo que não era procurado, telefonava-o com convites de esperança. Quando o via triste e distante, cumprimentava-o com um afago mais íntimo. Fizera do pobre coitado vítima de seu egoísmo.

Enquanto ele se contentava com aqueles esporádicos momentos de liberdade, o outro os fizera de meio para sobreviver. Viviam de ilusão e de conveniência. Mas aquilo não duraria para sempre, não poderia durar. Foi quando sentiu os lábios daquele pobre rapaz em seus joelhos. De súbito percebeu o que fizera até ali, e que, além disso, teria que se decidir. Com o outro jogado aos seus pés a situação escapara de seu controle. Não podia mais sustentar a farsa que criara/as falsas esperanças que dera. Ou enxergaria, finalmente, aquela doce alma que o queria, ou encerraria tudo e voltaria à caverna escura onde estivera por um bom tempo. Estava confuso e sua consciência pesou, mas já era tarde, não poderia modificar os erros cometidos. Dispensou o sujeito com uma austeridade que beira a total falta de emoção. Porém ficou ali, na saída da caverna, talvez preparado para outra chance que o destino o entregasse. Uma em que viver fosse possível de forma completa. Não queria que ninguém sofresse.


Eder de A. Benevides

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Era um vilarejo...

Diziam as más línguas que aquele Ricardo era louco, desses de jogar pedra. Ficava trancafiado em casa o dia inteiro a estudar as coisas do mundo. Era casado, porém a sua mulher e filhos moravam em uma casa do outro lado da rua. Não moravam juntos porque Ricardo não conseguia se concentrar com a algazarra dos filhos e as visitas que, volta e meia, ocupavam a sua sala. Preferiu se mudar. Visitava a família diariamente, mas a maior parte to tempo era mesmo dedicada a sua tal de filosofia.

Habitavam em um vilarejo nos confins do Brasil. Sabiam que era Brasil porque um homem com roupas esquisitas fora os visitar com um papo de “senso habitacional”. Não sabiam bem de que diabos se tratava aquilo. Falavam português e, por inimaginável que seja, um português bem falado. Eram descendentes de uma gente desraigada que fora para ali só por ir mesmo e tentar viver ao seu próprio modo. Um dia um menino do vilarejo achara no porão de sua casa –que por sinal era bem antiga- um sem número de livros. Aquela gente também sabia o que eram os livros, pois os seus ancestrais os usaram para ensinar a língua, a arquitetura, as mágicas e a cura, e eles os usavam para ensinar os seus descendentes. Todavia, aqueles livros eram desconhecidos. Livros que falavam em Europa, América, Revolução Francesa, Revolução Industrial. Também havia alguns com autores de nomes impronunciáveis. Adam Smith, Karl Marx, Shakespeare. Os habitantes do vilarejo não se interessaram, para eles nada daquilo importava. Eram histórias de um tempo muito antigo do qual não queriam saber, entretanto Ricardo mostrou interesse.

Os livros tornaram-se os pilares de seu hermetismo. Maria, a sua mulher, resistiu muito no início. Achara que o seu marido enlouquecera, mas, como o amava muito e o achava muito bom, se esforçou ao máximo para ser compreensiva. Ficou atônita quando Ricardo se mudara. Insistiu várias vezes para que voltasse para casa junto a mulher e os filhos que o amavam muito, mas ele a olhava sorrindo, acariciava os seus cabelos e voltava a ler aqueles livros. Os vizinhos já comentavam a mudança, não entendiam bem o que acontecia. Haviam brigado? O amor acabara? Tudo era um mistério. Começaram a questionar o porquê que eles podiam ter duas casas, pois, naquele vilarejo, todas as famílias tinham apenas uma casa, de igual tamanho e qualidades. Mas o prefeito, aquele que administrava o lugar, concedera-o a casa por conta de assuntos relevantes para a comunidade. Novas mágicas e outras coisas poderiam ser descobertas por aquele homem que se dispunha a investigar.

Foi numa festa dos habitantes que todos ficaram atônitos com a “loucura” de Ricardo. Falava em progresso, fábricas e tecnologia. Falava da necessidade de saírem daquele vilarejo e conhecer a “civilização”. Ninguém entendera o que era a tal da civilização. “Nossos ancestrais nos trouxeram para o isolamento, agora precisamos sair dele.” Aquelas palavras soavam vazias e sem sentido para os que ouviam, pois abandonar a sua terra era simplesmente algo inimaginável. Os dias passaram e a fama do louco crescia. Quando começava a falar de suas filosofias as pessoas se afastavam. As crianças que davam atenção as palavras de Ricardo eram rapidamente repelidas pelos pais. Quiseram o tirar de sua casa, porém, com o tempo, perceberam que a sua clausura era o melhor para todos. Só estavam ao seu lado a sua gentil esposa e os tenros filhos.

No dia da visita do homem do Brasil as concepções mudaram de forma radical. O homem estava de terno e gravata – roupas assaz estranhas para eles – e veio numa grande caixa de ferro com rodas em baixo. O frenesi foi geral. Ninguém entendia que artimanha era aquela, que espécie de mágica fazia aquela caixa metálica andar. O homem fizera perguntas estranhas cujas respostas não podiam responder, daí chamaram o louco para conversar com o alienígena. Conversaram por longas horas. Ricardo fizera toda a sorte de perguntas para o homem, que foram, dentro do possível, satisfatoriamente respondidas. Pediu que o forasteiro ficasse, e por três dias o teve como hóspede. Nesse tempo usou de toda a espécie de argumentos para convencer aquela gente de que precisavam do “progresso”. À sombra daquelas novidades convencera os habitantes a trazer a as maravilhas da civilização para ali. No dia da partida do homem, Ricardo fora embora junto, com a promessa de voltar com grandes novidades.

Demorou dois meses para que voltasse, mas, quando voltou, trouxera uma caramanhada de gente junto. Povo que dizia ser da televisão, do governo, das “ONGs”, do Brasil. O vilarejo encheu-se de forasteiros. Todo morador precisou hospedar alguém para que todos pudessem se acomodar. O modo de vida daquela gente era motivo de grande curiosidade dos “do Brasil”. Tinham produção própria, a divisão de tarefas era quase que igualitária entre os gêneros, não conheciam o dinheiro e todos eram absolutamente iguais. Não eram primitivos pois tinham bons conhecimentos de arquitetura e saneamento, eram organizados, dominavam bem a língua portuguesa, além de uma gama de outras coisas. Meses depois aquela comunidade fora chamada de a "Utopia em meio o Brasil" pelos vários meios de comunicação.

O progresso chegara, e com ele os conflitos. Aquela gente começou a disputar a atenção e os objetos trazidos dos visitantes. Aprenderam que as suas casas e os seus quintais eram propriedades suas, e ninguém poderia violá-las. Apesar dos costumes, as aconchegantes casinhas foram se tornando maiores, uma depois da outra, para depois aumentarem de novo. Quando ocorria de uma casa esbarrar no espaço de outras, a confusão era homérica. Queriam casas iguais aquelas das revistas trazidas pelos forasteiros. Não cooperavam mais. Cada um começou a ter a sua própria produção de alimentos, e quando sobrava comida, davam para os que precisavam em troca de objetos trazidos do Brasil. Conheceram a arma de fogo. Não tardou para que as usassem para delimitar aquilo que era seus por “direito”. Os que não tinham armas foram expulsos de suas casas por aqueles que queriam ampliar os seus domínios e obrigados a construir as suas moradias em outros lugares.

Ricardo entristeceu-se de forma inconsolável. Pediu perdão a esposa pelo estrago que causara. Ela acariciava o seu rosto e o apertava contra o peito. O sonho não passava dum pesadelo travestido. "Mas que progresso atroz seria esse?" perguntava-se reiteradamente. Numa noite abraçou a sua família e os implorou para que fossem morar com o seu pai, que era muito respeitado por todos e poderia oferecê-los segurança.Iria embora, estava condenado a um ostracismo imposto pela própria alma. Então deixou os amados em prantos e adentrou a mata densa para nunca mais voltar.

O vilarejo morreu amiúde. Muitos o deixaram para viver como indigentes na “civilização”. Os que ficaram, junto aos seus enormes patrimônios, foram mortos ou expulsos por fazendeiros maiores que tiveram conhecimento de suas existências. O sonho do progresso que Ricardo sustentara se desfragmentou no tempo e espaço. Os livros perderam o seu encanto, e aquela Utopia perdera o seu direito de existir. Penso aqui, com os meus botões, que Ricardo não lera todos os livros que estavam naquele porão, ou então, deu atenção apenas para as coisas bonitas e maravilhosas que aquelas páginas amarelas sustentavam.


Eder de A. Benevides

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Liberta-te


Amanhã haverá outra aurora!
A aurora da verdade de ser
Espírito livre sem tempo e hora
Que ultrapassa o concreto cinzento
Onde escondido fica o espectro
A espera de seu majestoso momento.
Liberta-te paixão
E gozas satisfeito
Do ar circundante;
Das auroras que virão.
És príncipe e cavalheiro
De teu destino errante
Da linha latente
Traçada em tua mão.
Ficaste até ontem prisioneiro
De tua consciência vacilante.
Doravante és aventureiro,
Bicho solto e amante.
Aventura-te na vida
E nos olhos que encontrares
Porque só serás feliz
Com a reverberação tão bonita
Dos sorrisos tenros
E dos amores nos olhares.



Eder de A. Benevides

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Denis Gonçalves

Foi em 25 de março de 2010 que as minhas concepções de mundo/mundos enfrentaram a sua maior prova de fogo. Depois desse dia demorei quase um ano para digerir tudo o que ocorreu ali. Eu estava na ocupação realizada pelo MST na fazenda Fortaleza de Santanna em Goianá, zona da mata mineira. Sentimentos opostos fizeram parte dos estímulos capitados pelos meus sentidos. Foi místico, foi cabal, foi revigorante, foi deteriorante, foi transcendental, foi a flor da pele, foi feliz, foi triste. Eu não soube o que senti após aquilo e não pude lidar com o impacto surtido em mim por muito tempo.

Socialismo ou Capitalismo? Abraçar o sonho rubro e venal ou me manter refugiado no mundinho burguês e confortável em que cresci? Sabe, acho que os acontecimentos daqueles quatro dias de ocupação não convergiram para uma escolha, mas, na verdade, divergiram e se espalharam por uma complexa balança sem respostas imediatas. Do uso – no sentido mais literal- dos moradores sem causa das ruas de Juiz de Fora ao depoimento verdadeiro e empolgado de um assentado do Acampamento Olga Benário; Do papel mal resolvido do movimento estudantil ao discurso emocionado de um pai que perdera o filho no campo. A minha mente se tornou um coliseu para todos aqueles fatores. Houve massa de manobra? Houve. Houve verdade naquilo o que se fazia? De fato havia, porém as irregularidades eram várias. Mas a pergunta que eu hesitei em fazer por muito tempo é primordial: É necessário? A resposta não foi fácil de encontrar/confrontar/aceitar.

Propriedade privada, capital, especulação, produção e lucro são algumas das principais características do modo de produção capitalista. Divagava se era possível a construção de um Estado Democrático de Direito justo, atuante e distribuidor dentro dessa lógica. Tocqueville e John Down afirmavam que sim e neles tentei me apoiar por algum tempo. Todavia, foi com o estudo e uma coisa chamada FATORES REAIS DO PODER, magistralmente explicada por Lassale, aliado a uma análise mais séria de nossa infraestrutura, que fui capaz de aos poucos encontrar uma resposta para a indagação posta. Lassale diz que são os fatores reais de poder que determinam o conteúdo constitucional (constituição imaterial) e a criação de leis em um país. As classes, com as suas porções de poder na sociedade, têm os seus interesses defendidos, assim, de uma forma simplista, é concluído que as classes com as maiores parcelas de poder detêm o maior número de interesses defendidos na sociedade. Pois bem, agora resgate as características supracitadas, logo no início desse parágrafo, e responda: Quem, em nossa “democracia”, detém as maiores parcelas do poder?

Em nossa sociedade é privilegiado quem tem o maior capital. São banqueiros, empresários, investidores e grandes proprietários. As transformações sociais e principalmente as transformações econômicas ocorrem em um espaço limite determinado por esses poderosos capitalistas. O poder de voz do povo – que vota, que gera capital material e imaterial, que sustenta a máquina do Estado – é reduzido e subjugado à voz de quem de fato detém o poder. Logo, as reformas de base, essenciais para a justa distribuição de riquezas e acesso aos recursos indispensáveis para o ser humano, tornam-se demasiado difíceis de serem alcançadas. Essa redução da voz do povo cria uma necessidade iminente de se desenvolver mecanismos para a realização da justiça social. Os direitos conquistados pelos movimentos sociais ao longo das décadas se concretizaram ao custo de duras lutas, e só serão transferidos para o plano material ao custo de outras duras lutas.

Acho que nesse momento a minha indagação já havia encontrado resposta. Aí, além das razões óbvias e irrefutáveis, eu precisava de uma redenção ética e moral. É justificável as ações estratégicas do MST – que às vezes não contam com uma necessidade urgente e iminente – em razão da lapidação da concentração fundiária? É correto utilizar massas de manobra para a realização de seus objetivos? A primeira questão foi deveras mais fácil de responder. Sim, é justificável. O movimento deve se manter atuante e dinâmico para que consiga se impor nessa falsa democracia. A necessidade urgente e iminente é sacrificada em prol da necessidade geral e futura que a causa exige. A segunda pergunta exige um sério exercício de ponderação. Ao contrário do que Maquiavel sustentava, eu não sou adepto da idéia de que os fins justificam os meios. Sou adepto da velha máxima de que “tudo acaba bem quando começa bem”, porém, aqui a realidade se mostra mais complexa. Uma briga desigual exige atitudes questionáveis. Os males da concentração fundiária são assaz piores do que essas atitudes - vistas a priori como imorais - possam se mostrar ser. Situações drásticas exigem medidas drásticas. Como foi difícil chegar a essa conclusão!

Sim, é necessário. Nunca demorei tanto para encontrar uma resposta e, agora, tenho um leque de outras perguntas. Mas é certo que hoje me desintoxiquei da idéia de que o capitalismo tem jeito (tema para outra discussão) e percebi que atitudes, como são as ocupações, são instrumentos necessários para se alcançar uma emancipação social. Não sei que ‘ista” sou, e não quero me apegar a isso por enquanto. Sei que esse modo de produção vigente não combina com ideais de justiça e igualdade. Enfim, estou feliz por ter superado os meus medos e apegos. Vou cair no mundo e buscar as minhas lutas! Porque, como disse Miguel de Cervantes: “Só padece de solidão aquele que se isola das lutas de seu tempo.”

Eder de A. Benevides

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Aprender

A vida, afinal, não é feita de aprendizados? Sempre achei esses papinhos de “a vida é isso” ou “a vida é aquilo” extremamente inconstantes, porque, de uma forma ou de outra, existem pessoas que insistem em passar por esse mundo sem absorverem nada. Pois bem, esse não foi o meu caso. A vida me ministrou, nos últimos anos, lições duríssimas, mas acho que aprendi bem e, hoje, sou um pouco mais prudente em minhas escolhas.

Aprendi que nunca somos aquilo tudo que achamos que somos. Sempre que chegamos a um ponto em que acreditamos ser completamente dominantes, vem uma prova de fogo para nos mostrar que precisamos estudar mais, treinar mais, entender mais, ouvir mais e, conclusivamente, nos “acharmos” menos. Não que não possamos ter autoconfiança e orgulho próprio, mas que precisamos ter autocrítica. As pessoas, as instituições, a sociedade e o mundo exigem isso de nós. Saber nossas fraquezas é o primeiro passo para superar as famigeradas provas de fogo.

Aprendi que a vida não é uma série de televisão; Que nem sempre dará tudo certo no final. Isso é a maior mentira que já foi contada. Às vezes as coisas simplesmente dão errado. Não existe o romance perfeito, o príncipe encantado e a princesa da torre. Shakespeare foi um perfeito realista em seu tempo, e não há quem negue que o romance de Romeu e Julieta fatalmente daria errado; que Brutus trairia Júlio Cezar; que Hamlet seria infeliz em sua vingança (...). Nós, ao revés de nos lamentarmos pela “injustiça” do mundo, deveríamos encarar a obliqüidade dos acontecimentos com maturidade e força. Sofremos menos quando sabemos que há a possibilidade de dar errado e nos preparamos para isso.

No amor aprendemos que o gostar é extremamente subjetivo, pessoal e íntimo. As pessoas não são previsíveis e, além disso, o que elas sentem pode ser misterioso até para elas próprias. Idealizar, nesse campo, é quase sinônimo de sofrer. Gostamos, nos apaixonamos, enlouquecemos, idolatramos e inumeráveis outros “amos” que só servem para nos desequilibrar. O que ocorre é que, na maioria das vezes, tudo isso é direcionado para uma criação de nossas expectativas e anseios. Seres humanos são seres humanos. Não somos ideais e perfeitos.Para evitarmos uma profunda decepção, devemos nos esforçar o máximo para enxergar as coisas como elas são, e não como gostaríamos que fossem.

Aprendi que devemos nos expressar. Direcionar aquilo que sentimos de forma que possamos encontrar o equilíbrio e uma consciência leve. Reprimir é se destruir; se acabar lentamente. Se algo te incomoda, aprenda a expressar aquilo que o aflige. A atitude mais destrutiva que tomei na minha vida foi essa de reprimir. Hoje sei a importância de desabafar, brigar, xingar, chorar (...). Mas é claro, não devemos trocar os pés pelas mãos. Não vamos entrar no gabinete do patrão e descascar o coitado. Há formas e formas de se expressar e não levar desaforo para casa. Ainda estou trabalhando esse lado.

Pois bem, a vida ensina sim! Não nascemos sabendo lidar com todos os tipos de situações existentes. Como diz um amigo, as nossas experiências são como bolos. Ninguém faz um lindo bolo de confeitaria na primeira tentativa. O primeiro bolo costuma queimar, murchar, ficar chocho e outras tragédias de boleiro, mas a gente consegue aprender (aqueles que se esforçam pelo menos). Uma hora sai um bolo descente para saborearmos com prazer.


Eder de A. Benevides

Querida Luta

Querida luta.
Luta sem solidão
dos companheiros
e das primaveras
que sempre virão.
Do pólem fértil
que corta o vento
e em dado momento
encontra o receptáculo.
Fecundo,
transformas o mundo.
Querida luta.
Luta com o luto
dos pesares
em pensares
no que se deixa;
no que se fere
e é ferido.
O medo de ir
e de não regressar.
De ser dragado,
jogado na saudade
e de perder sua verdade.
Querida luta.
Luta de nós,
luta deles
e daqueles
que pela vida labuta
com a vontade arguta
de roubar o céu
e tecê-lo novamente
com a lã diferente
dos tecelões distantes.
Amigos vivos
dum mundo novo,
duma terceira via,
da vanguarda do povo,
do país da utopia.


Eder de A. Benevides