tag:blogger.com,1999:blog-88249625941640261222024-03-12T18:30:30.176-07:00Eder BenevidesJogar-te-ei em meu abismo/E ai de ti!/Se por acaso criares asas.Unknownnoreply@blogger.comBlogger92125tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-72772402449631576442023-11-21T06:43:00.000-08:002023-11-21T10:30:32.394-08:00Ecos do Eu<p> </p>
<p class="MsoNormal"></p><p class="MsoNormal">Ecos do Eu<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Me basta um acorde solto <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ou uma nota de nostalgia<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Que me encubra, me deixe envolto,<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Em pretérita e saudosa magia,<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Para Imaginar ser cada canção <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Um prelúdio ou uma insígnia <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Dos momentos que se vão.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Talvez a música, em seu apogeu,<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Se transmute em ecos do eu<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ecos meus<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ecos seus<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ecos de companhia e solitude<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Que, distantes, se esvanecem <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A cada repetição;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A cada pedaço de completude;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A cada lapso de solidão.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Cercado por notas de memória<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Me torno puramente emoção,<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">De forma que cada eco de mim<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Reaviva um conto de minha história;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Uma distorção rude e persistente<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Das vidas que me habitam;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Delírios de um tempo remanescente<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Saudade lisérgica que a alma sente.<o:p></o:p></p><br /><p></p><p class="MsoNormal">Eder de Almeida Benevides</p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-60147387607055141202022-10-05T13:08:00.002-07:002022-10-07T11:28:48.942-07:00O Velório da Vó Preta<p> </p><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Não existiu nesse mundo amor e felicidade como havia no coração da Vó Preta. Era alegre e contagiante. O dia começava como um estouro em todas as recordações que guardo dela. O dia não era dia, era um evento. Com a casa cheia de filhos, netos, sobrinhos, primos e amigos, não havia espaço para a melancolia em sua morada. Havia apenas espaço para o mais despretensioso e ingênuo amor. E como a Vó Preta amava. Os seus não eram apenas os seus. Os seus eram reis e rainhas, merecedores de todos os luxos e regalias. Os filhos lhe eram o ápice do sucesso. Os netos eram os maiores advogados, fisioterapeutas, engenheiros, empresários e profissionais que já puseram os pés nessa terra. Para ela, não havia quem fosse maior que os seus. Não importavam os defeitos, esses eram pequenos como grãos de areia, completamente desimportantes. A gargalhada da Vó Preta era um luxo por si só, o qual tive em abundância. Esse amor-alegria nunca me faltou. Aliás, não deixava faltar a ninguém. Também não deixava faltar a ninguém comida. Era insuportável para ela não nos ver comer. Fartura havia de sobra. Pães, roscas, bolos, arroz, feijão, ceias, biscoitos amanteigados e todas as outras guloseimas. Como comíamos. E ai de nós se não comêssemos. Vó preta ficava brava. Inconformada. Se estivesse em sua casa, havia de comer, sob pena de ofensa real. Por toda a sua existência, nos contagiou com sua invejável alegria de viver. Mesmo no fim da vida, depois de ter enfrentado males atrás de males, não esmoreceu. Me recordo da última vez que a vi ainda entre nós. Bem magrinha – tendo sido uma mulher robusta toda a vida – e sentada em uma cadeira de rodas, os seus olhos brilhavam mais do que brasa incandescente. O brilho em seus olhos éramos todos nós. Apenas a nossa presença era necessária para fazê-los queimar. As suas limitações físicas não representavam nada, pois a sua alma era eletrizante e gigantesca, de forma que ocupava todos os cômodos da casa e de nossos corações. Inevitavelmente, o corpo cedeu aos anos. Depois de enfrentar tantos problemas de saúde, o corpo não mais respondia aos ímpetos do espírito. O fim de sua jornada no mundo foi chegando amiúde, susto após susto. Meus pais, nesse momento, alugaram uma casa em Fama, pequena cidade no sul de Minas Gerais, onde Vó Preta morou em seus derradeiros momentos. Nos dias que precederam a sua partida, meu pai me relatava por telefone o estado de vovó. Estava debilitada, já não caminhava há muito tempo e mal conseguia se sentar, mesmo com auxílio, para comer. O seu espírito possante já não podia mais convencer o corpo a acompanhá-lo. Havia mesmo de partir sem ele. Viveu noventa e seis anos! No instante em que escrevo, três vezes a minha existência. Não obstante a todos os desafios, algo fabuloso aconteceu na véspera de sua partida. Seus filhos estavam incautos e ansiosos no varandão da casa, em um dia cinzento e desesperançoso. Aguardavam o fim, que já se fazia presente e dominava o local, roubando o ar de todos. Entretanto, Vó Preta não poderia partir sem um último estouro. Sua alma subjugou o corpo enfermo e se lançou para todos os lados. Levantou-se da cama, caminhou em direção a janela e lá se debruçou. Puxou o máximo de ar que seus pulmões eram capazes de reter e começou, aos berros, a espalhar o que melhor sabia espalhar. “Campos, meu filho querido, eu te amo! Edneia, minha joia preciosa, eu te amo! Maria Geralda, minha princesa, eu te amo! Eloísio, filho amado, eu te amo! Antônio, meu caçulinha, eu te amo!”. Vó Preta continuou e pronunciou, com lucidez extrema, o nome de todos os filhos, netos, primos e sobrinhos, posicionando um caloroso “Eu te amo!” como ponto final. Foi desses acontecimentos que desafiam a lógica da natureza. Nada seria capaz de conter o espírito da Vó Preta. Esse desafiaria até Deus, a quem era temente, para poder espalhar o seu amor por uma última vez. Recebi a ligação, era meu pai me informando da partida da vovó. Me organizei e, no mesmo dia, peguei um ônibus para Três Corações e, de lá, peguei outro para Fama. Dormi tão profundamente neste último trajeto que nem me dei conta de que já estava na rodoviária. Acordei com meu irmão me sacudindo, quase que volto para Três Corações. Chegamos na capela onde estava Vó Preta. O caixão ocupava o centro e, ao lado, havia uma fileira de cadeiras, onde estavam sentadas as minhas tias, inconsoláveis. Olhei para Vó Preta - serena e encolhida - e ainda havia muita vida. Estava somente dormindo e, a qualquer hora, acordaria com mais um estouro. O seu amor estava todo presente, irradiando-se sobre o luto. Não poderia haver melancolia em sua morada. Ainda não estavam todos reunidos. Os que não chegaram, ainda chegariam. Era madrugada, pouco a pouco chegavam os demais filhos, netos, bisnetos, primos e amigos. A cada chegada, olhava para Vó Preta e mais vida via nela. Antes serena e encolhida, fui a vendo progressivamente mais corada, alegre e expansiva. Posso jurar que vi nela um sorriso se esboçar. Cada vez mais a sua presença indelével espantava o luto. O choro era inevitável. Todos chorávamos imersos nas mais felizes recordações. Chorávamos e ainda assim havia alegria. Chorávamos e ainda assim havia o eco das gargalhadas da Vó Preta reverberando por todo o local. Com o avançar do dia, chegava gente atrás de gente. A família já estava toda lá, mas os amigos e dezenas de almas tocadas por ela iam se aglomerando para vê-la, esplendorosa, pela última vez. Vovó cresceu no caixão, estava robusta como sempre me lembrei dela ser. Estava radiante. A medida que mais gente chegava, mais radiante ficava. A casa estava cheia, como sempre gostou que estivesse. Os seus, os maiores e melhores do mundo, estavam todos lá e não havia nada que a deixasse mais feliz. O dia estava lindo e o sol revelava todas as cores da vida. Erguemos o caixão e a levamos até a sua lápide. Inundados de recordações, histórias, amor e alegrias, nos despedimos todos “ Vó Preta, nós te amamos!”</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-66910186613834874992022-09-06T10:56:00.003-07:002022-09-06T10:56:37.593-07:00Arqueólogo<p><br /></p><div class="l7ghb35v kjdc1dyq kmwttqpk gh25dzvf jikcssrz n3t5jt4f" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">Contam-me desde criança que sou o que produzo. "O que você vai ser quando crescer?". Respondi, certa vez, que queria mesmo era ser arqueólogo. Queria muito investigar o passado, explorar ruínas antigas e encontrar relíquias sagradas, como a Lara Croft ou o Indiana Jones. Por vezes eu era repreendido. Já tascavam em minha boca o querer ser médico, advogado ou engenheiro. Arqueólogo eu era de alma, mas de corpo eu deveria querer era ganhar dinheiro. O tempo se passou <span style="font-family: inherit;"><a style="color: #385898; cursor: pointer; font-family: inherit;" tabindex="-1"></a></span>e me tornei advogado, como o predestinado, ou, pelo menos, como queriam que eu o fosse. Mas, confesso, não deixei de ser o arqueólogo que o meu eu criança já era e queria ser quando passava as tardes explorando templos esquecidos com o controle do Playstation nas mãos. Coleciono relíquias preciosas encontradas nas músicas, nos filmes, nos livros, nos vídeo games... O meu sítio arqueológico é o infinito campo do poder criativo humano. Sou intrigado por gente e me perco em seu espectro de complexidades. Mas o mundo é insensível com os arqueólogos. Existe sim uma mão invisível que regula e aprisiona as nossas almas. Por certo período me tornei integralmente o Advogado em detrimento do Arqueólogo. Como poderia ser os dois? Era preciso trabalhar, estudar, fazer pós graduação e correr a inglória corrida invisível que se impõe. O cerco do existir se fechou e eu jamais poderia ser arqueólogo novamente. Pelo menos, era o que eu pensava. Vi esse destino se concretizar entre meus amigos e colegas que, pouco a pouco, compravam os seus carros, financiavam os seus apartamentos e se encontravam cada dia mais fechados em seus sistemas binários do dispensável e indispensável. Indispensável é produzir. Dispensável é todo o resto. As conversas em mesas de bar que transbordavam prazeres e relíquias deram lugar aos casos da profissão, leis e jurisprudências. Ano a ano me imergia em um eu unidimensional e cada dia mais cheio de ausências. Quando colecionamos ausências não podemos nos surpreender com o vazio. No vazio mergulhei e adoeci. Há, em meio às ausências, um poderoso mecanismo de aprisionamento que transforma qualquer ímpeto de dali sair em culpa. A culpa é inebriante como um Gin de pouca qualidade que sacia o vício, mas corrói o fígado. A cada nova culpa colecionava novas ausências que me embriagavam. E quanto mais ébrio, mais difícil ficava de se encontrar o caminho de casa. Entretanto, trôpego, esbarrava em relíquias antigas ali e acolá. E como as dos filmes e dos games, essas relíquias são poderosas! Os encontros acidentais reviveram os meus caminhos, de forma que me agarrava a cada empoeirada relíquia reencontrada. Como lanternas em meio ao breu pude mapear as suas posições. Novamente arqueólogo, reencontrei as coordenadas para mim mesmo. Transformei a advocacia em relíquia, preciosa como as demais. Uma parte de mim, uma peça de meu acervo. Mas o que eu sou, imutavelmente, é essa definição etimologicamente imprecisa, mas para mim acurada, de arqueólogo.</div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-32553818628710377192022-09-06T10:46:00.005-07:002022-09-06T10:46:34.878-07:00O Mago<p> <span style="background-color: white; color: #050505; font-family: inherit; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Entender o funcionamento do tecido do universo é tarefa exclusiva dos magos. E há poucos magos por aí. O nascimento de um mago é das coisas mais difíceis de acontecer. Perdoe-me, não se nasce mago, torna-se mago. Mas, nesse processo mutagênico do espírito, se nasce de novo e de novo, muitas e muitas vezes. Tive a sorte de topar com alguns desses seres nessa vida. Normalmente, não se anunciam como tal. Eles te interceptam naqueles momentos em que, de alguma forma, a </span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: inherit; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><a style="color: #385898; cursor: pointer; font-family: inherit;" tabindex="-1"></a></span><span style="background-color: white;"><span style="color: #050505; font-family: inherit;"><span style="font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">frequência de seu espírito vibra conjuntamente com a frequência da realidade. Certa vez, costurando as encostas andinas em direção a cidade perdida de Machu Picchu, encontrei um desses seres magistrais. Estávamos em uma Van. De um lado, a encosta pedregosa, ornada por altares, crucifixos e avisos de deslizamentos. Do outro, um enorme penhasco de centenas de metros de profundidade, garganta ancestral do mundo e guardião dos segredos da terra. Estavam cerca de oito pessoas no veículo. A maioria amedrontada pela possibilidade de morte iminente. Havia um trem que levava - por um caminho muito mais seguro - à Águas Calientes, pequeno povoado que se encontra aos pés de Machu Picchu, mas, pela escassez de passagens àquela época do ano, todos ali tomaram o caminho alternativo da Van da morte. Entretanto, a morte não esteve presente. Muito pelo contrário, fomos mergulhados em magia antiga, invisível e imperceptível para quem não a sabe identificar. Em meio a ansiedade que pairava entre nós, dois viajantes puxaram assunto comigo e com meu irmão, com quem eu viajava. Um deles era fotógrafo e carregava consigo uma incrível máquina Rebel, pela qual ele registrou centenas de fotografias de sua viagem pelo coração da América Latina, as quais nos distraíram da tensão de perigo. O outro carregava consigo uma expressão mais hermética, um olhar que se voltava para dentro de si e para além do que se enxergava. Abriu um pequeno caderno de anotações, no qual registrava os seus pensamentos, reflexões e poesias que o acometiam pela sua peregrinação. Eu era um jovem poeta e irremediável sonhador, severamente propenso a mergulhar em devaneios e negar a realidade. O viajante então olhou para mim, como se me conhecesse de outras vidas, e me leu algumas das divagações registradas em seu caderninho. Quando me dei conta, já conversávamos sobre poesia, autores, filmes, existência e metafísica. Mergulhamos, por horas, em meio a magia imanente que presenciávamos. Nessa época eu já escrevia alguns rascunhos de poesia e, como se já o conhecesse a vida inteira, o confidenciei que era desapegado de minhas escritas, que eu não me importava de registrá-las e de, às vezes, perdê-las. </span></span><span style="color: #050505;"><span style="font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Indignou-se</span></span><span style="color: #050505;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"> abruptamente o homem, que, deixando a faixada de </span></span><span style="font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">despretensioso</span><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"> viajante, assumiu a postura e entonação do mago que era. Pela janela entrava o vento gélido dos Andes que uivava como uma alcateia inteira e balançava a Van de um lado para o outro em meio a estreita estrada que nos separava do abismo. A voz do viajante ganhou profundidade e, apesar do semblante indignado e postura severa, disse de forma quase doce:</span></span></span></span></p><div class="l7ghb35v kjdc1dyq kmwttqpk gh25dzvf jikcssrz n3t5jt4f" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Você acha correto negligenciar as suas criações? Onde já se viu abandonar sua magia?</div></div><div class="l7ghb35v kjdc1dyq kmwttqpk gh25dzvf jikcssrz n3t5jt4f" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">As palavras foram poucas, mas atingiram meu cerne e minha inconsciência. Magos sempre dizem muito mais do que parecem dizer. Chegamos sãos e salvos em Águas Calientes, após uma longa caminhada no breu em meio à mata ancestral. Nos separamos logo depois, mas a presença do mago foi indelével em minha vida. Aquela conversa mudou os rumos de meu caminhar. Nos encontramos depois, quase dez anos após o desfiladeiro da morte. O mago me apresentou ao vinho das almas e pude presenciar a mais deslumbrante tempestade de hibiscos que é possível ser vista, mas essa é uma estória para outra hora. Penso e acredito que devemos ser irmãos de outras vidas e, nessa de agora, me interceptou para me revelar segredos da magia antiga e me tornar um pouco mago também. Mas, como já disse, tornar-se mago é das coisas mais difíceis de acontecer.</div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-58211574272356779762022-09-06T10:44:00.003-07:002022-09-06T10:44:44.603-07:00Se Conhecer<p> <span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Nem todo mundo conhece a si mesmo. Não tento ser extra hermético e erudito. “Conhece a ti mesmo” tem sido praticado por mim no próprio tecido da vida. Em uma madrugada insone após a outra. Socrates, Nietzsche, e algum outro alemão ou russo, contribuíram pouco para esse processo. Contribuíram muito mais, quando mais moço, para inflar o ego e ter repertório em mesa de bar. Hoje, busco as minhas respostas em meu próprio microcosmo. Esmiúço cada mecanismo do meu ser à exaustão. </span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><a style="color: #385898; cursor: pointer; font-family: inherit;" tabindex="-1"></a></span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Descobri, nessa empreitada, a obsessão. Sou constituído, basicamente, de sonhos e obsessões. Não me leve a mal, não sou maluco, apesar de todos sermos. Sou persistente, observo cada trejeito de cada situação e revisito minhas conclusões muitas, muitas e muitas vezes. Meu humor sempre foi uma tormenta. Vario dezenas de vezes em um mesmo dia. Amo, odeio e amo de novo, mas jamais sou indiferente. Nunca consegui ser indiferente e, por isso, sempre caí em provocações, sempre tomei lados e, na prepotência de achar ter razão, perdi muito mais do que ganhei. Confesso que esse meu jeito faz de mim um homem constantemente exausto. Eu me canso de mim mesmo e, em muitos momentos, não me aguento. Não obstante a tudo isso, afirmo que os dias se tornaram mais e mais agradáveis a medida que me tornei mais íntimo de mim. Se ainda me reservo alguma autoridade a dar conselhos, digo que jamais encontrei autoconhecimento em livros de filosofia ou autoajuda. Encontrei-o, na verdade, na imersão em mim mesmo, na iniciativa corajosa de admitir cada traço de personalidade, virtuoso ou roto. Está no desapego da coerência e no despertar da intuição. Não somos coerentes, somos primordialmente, axiomaticamente, incoerentes. E foi nessa incoerência que me encontrei. Percebi, nas longas conversas travadas junto ao meu âmago, que a alma é selvagem e dona de si própria. Corre como um lobo que atravessa as planícies sob o luar. Indomesticável, padeci iludido sob a falácia do controle pleno. Entender isso é alinhar os chakras e correr junto ao fluxo do universo. Paradoxalmente, ganha-se algum controle sobre a vida quando deixa-se de querer ter total controle sobre si mesmo. Por isso, tenho escolhido, decidido, trabalhado e caminhado junto a mim, em desarmoniosa harmonia. Não sou apenas razão, mas também carne, estômago, sexo e intuição. Afeto e desafeto. Derrotado e obstinado. Nesse passo, cochicho em meu próprio ouvido, me persuadindo ou dissuadindo de meus vários anseios e obsessões. E, quando a noite cai e a insônia bate a porta – uma velha amiga, sento na chão de minha varanda, olho para as estrelas e, como marinheiro, busco nelas e em mim o meu norte.</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-47214950592123650952022-09-02T10:42:00.005-07:002022-09-02T10:42:43.196-07:00O Mar e a Lua<p><br /></p><div class="l7ghb35v kjdc1dyq kmwttqpk gh25dzvf jikcssrz n3t5jt4f" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">(Um conto inspirado em recente reencontro com amigos que são Rio e sempre serão)</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;"><br /></div><div dir="auto" style="font-family: inherit;"><br /></div></div><div class="l7ghb35v kjdc1dyq kmwttqpk gh25dzvf jikcssrz n3t5jt4f" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">É um fenômeno humano o apego. Inserimos simbologias cotidianas nos aspectos mais banais de nossas vidas. Um objeto, por exemplo. Um presente, um achado, um mimo... É necessidade dar sentido a nossa vivência por intermédio de rituais, e nesse processo compartimentalizamos o nosso ser em miúdos simbólicos. Foi assim que ele fez. Atribuía a tudo um sentido. Via no singelo o caminho da <span style="font-family: inherit;"><a style="color: #385898; cursor: pointer; font-family: inherit;" tabindex="-1"></a></span>vida. Havia confeccionado, há muito tempo, uma pulseira junto a um amado. Na intensidade, construiu parte de sua vida enquanto a outra parte se desconstruía. Antagônica e complexa, a vida lhe cobrou, dia após dia, o que estava sendo deixado para trás, talvez a si mesmo. Precisava se resgatar. Para isso, buscou as forças da natureza que lhe davam sentido. Em seu íntimo se identificava com a força da água corrente, como é um rio. Avançava pelo o mundo mutante e implacável. Não obstante, já havia tempo que deixara de ser assim. Sentado sobre a areia, atirou a preciosa pulseira em direção às ondas que quebravam e avançavam com a maré. Ventava muito e o sol já dava lugar à Lua. Seu íntimo se comunicava diretamente com o Mar. Sempre se cumunicara. Há uma entidade para cada coração que bate. No seu caso, era o Mar, de quem era devoto e vassalo. Adorava também a Lua, quem comandava as ondas e as marés - mãe do Mar. Mas, como o rio, só lhe era possível desaguar em um só lugar. Pegou em seu punho esquerdo com a mão direita. Sentia uma falta enorme, uma falta opressora. Era incapaz de se soltar. A leveza lhe era insuportável. Era rio, fluxo contínuo que escavava vales e contornava encostas, mas, contra a sua natureza, se apegou à represa que era aquele objeto. Rio é rio e lago é lago. Antes de jogar a pulseira, não era nem um e nem o outro. Ainda não era nada - em sua concepção. Rogou, então, pela intervenção de seus governantes. Na morada deles estava em casa. O vento gelado lhe agredia a pele, mas não sairia dali tão cedo. Precisava de colo e aconchego. A Lua cheia refletia o mesmo azul do Mar. Mãe e filho estavam ali: complacentes. A relação entre o Mar e a Lua era distinta. A Mãe é a própria mudança. Se desloca pelos céus e transmuta sua forma, cor, tamanho e luminosidade. Nunca e sempre a mesma. O filho é a eterna condição da vida, para onde tudo flui e de onde tudo vem. A sua natureza está na paciente espera, em que observa todos os processos vitais se revelarem em seu próprio tempo. São conforto e desconforto. Horizonte e lar. Ele precisava dos opostos. Precisava saber como regressar e para onde regressar, da mesma forma que precisava saber para onde avançar e como o fazer. A mãe, em um ato de compaixão, pediu que o Vento cessasse. Não era o seu lugar ali. A conversa era entre vassalo, suserano e rainha. Apenas. A pulseira restava sobre a areia, pois as ondas se recusavam a puxá-la de volta. Já lhe foi muito doloroso tirá-la, não poderia tê-la em suas mãos novamente e depois, por mais uma vez, se desfazer dela. Então se impetrou um jogo silencioso. Ele encarava o Mar e o Mar o encarava. Ambos inertes e silenciosos. Barulho era silêncio e silêncio era barulho. O jogo continuou por algumas horas. O Mar é acolhedor, porém misterioso. Não era de dar respostas prontas. Recebia quem dele necessitava, mas preferia deixar cada um encontrar as suas próprias respostas. A Lua, em sua transmutação constante e eterna, já era mais reveladora. É quem ilumina as noites, guia plantios e colheitas e indica os pontos cardinais junto às estrelas. A mãe-rainha se posicionou então entre os dois bem no alto, onde a sua autoridade era inquestionável. Era calma e, de certo modo, também paciente, mas não era impassível, havia de quebrar o silêncio. A pulseira, composta por fitas brancas e azuis brilhantes reluzia forte sobre a areia molhada. Em seu entorno havia conchas, exoesqueletos de estrelas do mar e cacos de vidro, nenhum deles tão dignos do luar. Naquele momento, só se percebia as distâncias entre o Mar e a pulseira, e entre a pulseira e ele. Com alguma coragem que havia juntado em meio ao silêncio, levantou-se. Deu início a uma lenta marcha em direção ao ponto focal. Passinho por passinho, viu as ondas avançarem na mesma proporção. Estava ali em sua frente o objeto contemplado. Lua e Mar, em sua majestade, ordenaram que o Tempo se retirasse. Aquele momento duraria o tempo que tomasse. O tempo fora do tempo. Prepararam para ele um paradoxo particular. A exceção da exceção. Um presente que apenas entidades tão poderosas seriam capazes de dar. Em sua redoma atemporal, contemplou por anos, ou talvez décadas, a pulseira sobre a areia, de frente a onda quebrada que não avançava e nem recuava. Nos primeiros instantes de toda uma era, ainda segurava forte o punho esquerdo. Entretanto, a pressão dos dedos sobre a pele e ossos foi sendo desfeita. Por todo esse (des)tempo sentiu raiva, ressentimento e ódio se transmutarem. Assimilaram-se nele mesmo, como toda ordem de sentimentos tende a fazer. A raiva era ele, o ressentimento era ele e o ódio era ele. Apenas ele poderia não ser mais nada disso. Recebera a benção da Lua e a virtude do Mar. Soltou o punho, abaixou-se e envolveu a pulseira com as duas mãos. Um silencioso estouro eclodiu. A Lua continuou o planejado trajeto celeste, as ondas tocaram os seus pés e o Vento voltou a soprar. Poderia jogar a pulseira novamente, pois o Mar estava a apenas alguns centímetros de distância e as ondas não se negariam mais a buscá-la. Mas, não fazia mais diferença. Mergulhou no Mar e em si mesmo. Era rio como sempre o foi. E rio que é rio é fluxo contínuo que penetra a terra, corta montanhas e encontra o Mar, tome o tempo que for.</div></div><div class="l7ghb35v kjdc1dyq kmwttqpk gh25dzvf jikcssrz n3t5jt4f" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">Eder de Almeida Benevides</div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-87560200742243314952022-02-23T10:39:00.001-08:002022-02-23T10:39:16.752-08:00Familiaridade <p> </p><p class="MsoNormal">Frequentemente, surge uma familiaridade com coisas que não
são, nem de perto, familiares: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Dejá vu</i>,
clarividência, divinação, lembrança de outra vida, ou puro processo neurológico
de associar o desconhecido a algo que se conhece. Indiferente àquilo que não
sou capaz de explicar, me permito o puro deslumbre. Quando criança, ao ouvir os
acordes de Asa Branca, logo pensava ter sido cangaceiro em vida passada. Achava
que o folclore do sertão nordestino habitava em mim e era eu mesmo quem
pendurava os folhetos em cada cordel que já existiu. Lampião e Maria Bonita
apoiavam as suas espingardas junto à porta de meu quarto enquanto eu dormia
incauto - devaneio lúdico de uma criança que ouvia muitas e muitas estórias.
Cresci ouvindo, com muita atenção e encantamento, minha tia Rita contar sobre
os segredos da reencarnação e a jornada da alma em um processo sem fim de
iluminação. Minha tia é espírita Kardecista e eu uma espécie sem jeito de ateu-agnóstico-semiespiritualizado.
Entretanto, jamais fui capaz de escapar da beleza daquilo tudo. Ao invés de
temer a um Deus portador de todas as respostas e mistérios, estaríamos fadados
a percorrer vidas e vidas em busca da resolução de nossos próprios mistérios. O
percurso da alma é o fim em si mesmo: a constante e ininterrupta evolução. De
certo, uma vida é breve demais para se percorrer todas as estradas e longa
demais para quem se recusa a caminhar. E, talvez, desse detalhe venham esses
momentos de instigante familiaridade. De uma necessidade inconsciente de viver
mais do que se é possível viver. Em cada lugar que já estive e em cada prosa
que já travei reconheci algo de mim e algo que já vivi. Coleciono, assim,
outras vidas em mim. Coleciono, também, sotaques. Me basta algumas horas de
conversa com um cabra baiano, gaúcho ou carioca que – <i style="mso-bidi-font-style: normal;">voilá - </i>já estou conversando como baiano, gaúcho ou carioca. Já
passei por maus bocados por pensarem ser deboche, enquanto se tratava, na
verdade, de entrega e aconchego. Me consome o fosfato do cérebro tentar
compreender de onde vem aquela afinidade pronta e automática que temos com
certas pessoas que acabamos de conhecer. Afinidade é sinergia e sinergia se tem
ou não se tem, apesar de, às vezes, surgir de onde não se tinha. E vai além da simples
identificação. É algo que habita no olhar, na linguagem corporal, na forma de
falar, de ouvir e de responder. Se encontra nos milissegundos entre um gesto e
outro. É a afinidade que permite madrugadas inteiras varadas, compreensão pelo
olhar e adivinhação de pensamento. Já tive muitas afinidades espontâneas, mesmo
que, com os anos, tenha ficado cada vez mais raro encontrar almas irmãs por aí.
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Quando acontece, é como se tivesse
voltado ao lar. O coração se acalenta, as ideias fluem e os músculos relaxam. Pode
ser que seja o destino, uma força metafísica impossível de se escapar e que
tenha nos costurado uns aos outros desde o nascimento... Ou desde vidas
pretéritas, de forma que a reencarnação exista de fato e, nesse ciclo
transcendental, nos encontramos e nos desencontramos. Talvez, separados por
séculos ou milênios, não sejamos capazes de nos reconhecer mais, imprimindo o
esquecimento no próprio novelo das eras. Ou sempre nos reconheceremos,
acometidos pelo deslumbre do destino e dos segredos da eternidade.<o:p></o:p></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-81107470981353267612021-02-08T09:55:00.002-08:002021-02-08T09:55:54.452-08:00Atrevimento.<p> </p><p class="MsoNormal">Eu não me atrevo a me recordar<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Do ar quente e do toque molhado<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">De tua boca brilhante e rubra.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal">Do gosto da tua saliva </p><p class="MsoNormal">Que inebria meus instintos;</p><p class="MsoNormal">Que enlouquece o meu tino.</p>
<p class="MsoNormal">Eu não me atrevo a reviver<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Os longos e ofegantes instantes<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Junto da tua pele macia;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Do teu ímpeto lascivo. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">No teu corpo me perco e me encontro.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Acho cada sentido perdido<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E logo volto a perdê-los.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Eu não me atrevo a em ti ser são.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Pois tua loucura me seduz,<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Me esvazia de todo o juízo<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E me sacramenta em tua luxúria.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E no descompasso de cada inspiração<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Eu me atrevo e me atrevo mais<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Para depois deixar de me atrever.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Nesse jogo de atrevimento<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Fico na fronteira, na Linha de Gaza,<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Do querer e do desquerer.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Mas basta te encontrar<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Basta sentir teu cheiro forte<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Que volto a me atrever<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Mesmo dizendo que não me atrevo.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><br /></p><p class="MsoNormal">Eder de A. Benevides</p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-85657182462070542452018-02-05T08:29:00.001-08:002018-02-05T09:57:41.614-08:00III. O Cadáver<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Já há alguns meses que
a decrepitude me vem beijar os lábios, pele e carne. Espero que não sobrem nem
os ossos quando eu me acertar com a eternidade. Sempre fui claustrofóbico e
agora estou fadado a conviver com os vermes sob o túmulo de mármore e o caixão
de madeira maciça. Por aqui não há anjos e, tampouco, demônios. Há sim um cheiro
insuportável de formol e terra. Não suporto a imobilidade. Quando vivo, era
acometido de terríveis paralisias noturnas. Que ironia a dos senhores do tempo! Aposto que desde que caí imóvel nenhum daqueles miseráveis derramou qualquer
lágrima em meu sepultamento. Tinha sim uma dívida de cinco mil contos que deve
ter tirado boas lágrimas daquele patife agiota. Bem, tento não me delongar mais
nessas reminiscências, mas a eternidade me condenou à agonia eterna. E se
aquele patife quiser se ver com meu filho? Não deveria pensar tanto nisso,
fiquei mais de ano sem receber uma ligação daquele ingrato. Que pague as minhas
dívidas, é o mínimo depois de tanto desgosto. Outro dia Maria veio fazer
chacota de mim. Sim, Maria é um verme que mora entre minhas costelas e volta e
meia me presta alguma visita. Estava inquieto com a situação de meu
apartamento, o qual decorei com as mais diversas relíquias greco-romanas que
colecionei pelas minhas viagens. O que será feito do meu Praxitelis
conseguido sob os auspícios do mercado negro? Morro outra e outra vez toda vez
que me delongo nessas absorções. Mas Maria vem me consolar. Escorrega sobre o
meu rosto e sussurra em meus ouvidos “Meu querido, sob a terra nada importa o
que se encontra sobre ela”. Virou uma espécie de mantra que reverbera em meus
miolos pútridos. Inútil, me ponho a marretar os mais diversos tópicos dia e
noite. Estava prestes a terminar a minha tese de anos sobre as ruínas perdidas
de lugar nenhum. Fizeram-me o favor de me enterrar junto com os meus
manuscritos e provavelmente o mundo jamais conhecerá as minhas incríveis
conclusões. Esse pensamento em especial não me abandona. Tivesse eu terminado
as conclusões apenas um dia antes. Teria o feito em uma sentada. Mas me pus a adiar, e a cada dia adiado a sentença de meu legado se firmou. De mim,
o mundo jamais terá qualquer legado. Talvez achem os meus rascunhos e eu seja
citado por algum anencéfalo incapaz de compreender uma linha do que
escrevi. Tornará a minha tese uma aberração. Que horror. Queria os louros, o
prestígio e os mimos “Brilhante, brilhante!”. Não terei nada. Apenas Maria. No
submundo não há solidão completa. Acabamos por nos afeiçoar pelos seres
rastejantes que de nós se alimentam e cuidam. Quando Maria fica muito tempo sem
me visitar fico entristecido. Me ponho a pensar no que eu possa ter feito de
errado. Será que minha carne fria perdera o sabor? A raiva sucede a dúvida.
Passo a odiar Maria por sua ingratidão. Deixei os ingratos da vida para
encontrar os da morte. Dou-lhe o que comer e ela resolve desaparecer por dias.
Será que ainda habita entre as minhas costelas? Entretanto, quando finalmente me
conformo com o seu desaparecimento, lá vem Maria sussurrar em meus ouvidos
novamente as palavras doces de um verme. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">- Quanto drama, meu
precioso cadáver, procurava apenas por novas entranhas, não há mais nada para
se comer entre as costelas.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">- Então, quando a carne
se acabar, me deixará para sempre?<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Dias se passaram e em
todos eles só pude pensar na partida definitiva de Maria. A solidão eterna
estava a um par de rins, um baço e, com sorte, um pedaço de fígado de
distância. Não sofria mais de insônia, mas, se vivo eu fosse, certamente
passaria noites e noites em claro fazendo a contagem regressiva do que ainda restaria de mim para alimentar os vermes.. Antes tivessem me cremado e jogado
as cinzas no mar. Não haveria formol, terra e claustrofobia. Dançaria
eternamente junto à brisa e seria leve como o ar. Que bom que ainda tenho
Maria. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Eder de A. Benevides<o:p></o:p></span></div>
<br />Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-54274096586039220462018-01-18T05:37:00.001-08:002018-01-19T04:25:23.076-08:00II. A Mensagem<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
“Inspira, expira, inspira, expira, inspira, expira”, com um pé atrás
do outro no chão e o controle da respiração na mente, Janaína seguia firme em
sua corrida matinal na orla da praia de Camburi. Praticava um tal de <i>mindfullness,</i> que aprendera em uma palestra motivacional, o qual conjugava com os exercícios físicos devido
a algum artigo de internet que lera “exercício
físico é ótimo para ansiedade”. Pensava na endorfina, serotonina,
sei-lá-que-nina que precisava produzir para equilibrar a química do cérebro “ansiedade
é química”. Depois de três quilômetros corridos, Janaína sentou-se no banco de
frente à barraquinha de água de coco e fez sinal ao moço com um facão
enferrujado na mão, “água de coco ajuda no <i>detox</i>”.
O celular vibrou em seu braço. Era uma mensagem do chefe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;">
“Janaína, marquei uma reunião contigo hoje às 15:00.
Desmarque seus compromissos.”<o:p></o:p></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Indagou sobre o motivo da reunião e recebeu como resposta um "não posso conversar agora, nos vemos mais tarde". Janaína, que até o momento que pedira a água de coco não suava,
transformou-se em uma cachoeira humana. “Que diabos de reunião é essa?”. A boca
estava um deserto e o moço ainda preparava o coco dos que estavam na frente da
fila. Desistiu da água de coco e correu para casa tomar um banho e se
teletransportar, se possível fosse, para o trabalho. Banhou-se, enxugou-se e bochechou
com o enxaguante bucal enquanto vestia a roupa, penteava os cabelos e calçava o
scarpin preto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
No trânsito, sentiu a ira de Murphy ao verificar que, para ela, todos
os semáforos indicavam o vermelho. “Será que havia algo de errado no contrato
que fechamos semana passada??”. Buzinou meia dúzia de vezes para uma picape que
se recusava a se mover após o sinal verde. “Puta merda, com certeza o cliente
deve ter levado um baita prejuízo, mas como eu poderia prever?”. O tráfego na
Avenida Fernando Ferrari estava irreal para as 7:15 da manhã, precisava cortar
pela orla. “Ah, mas eu tinha que ter previsto, é minha responsabilidade avaliar
esses riscos, que merda!”. Avaliou mal
os riscos do trânsito ao bater na traseira de um Gol de placa F-U-C-K-Y-O-U
que freou repentinamente com o sinal vermelho do semáforo. “Só me faltava essa,
vou chegar atrasada e com certeza me demitem”. Entregou um cartão seu ao
condutor do Gol, pegou o dele, ignorou o para-choque amassado e chispou
para o escritório “<i>not today, Satan!”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Luís, colega de trabalho de Janaína, havia acabado de sair de uma consulta
no oftalmologista em que havia sido pingado em seus olhos um colírio dilatador
de pupila. Estava sensível à luminosidade e, por conta disso, usava
óculos escuros enquanto digitava e mirava o monitor. Momentos antes de Janaína
chegar, a gerente do setor havia chamado a atenção de Luís, pedindo a ele que
não usasse o seu <i>Ray Ban Wayfarer </i>durante
a reunião com os clientes que começaria a qualquer momento.<br />
<br />
Janaína, ao chegar -atrasada- ao escritório, encontrou com o colega fotossensível no corredor, no momento em que esse se
dirigia à sala de reuniões.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
- Bom dia, Luís! Animado para fechar o negócio? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Luís, vagamente tonto e sem conseguir olhar para cima por conta da
luminosidade, respondeu apressadamente a saudação e sorriu sem graça, sempre mirando
o carpete azulado ornado com manchas de café. “O
que houve com ele? Será que já sabe? Todos já devem saber da burrada que
fiz”. Janaína estalou todos os dedos das mãos no percurso que levava à sua mesa. “Pior, devem ter oferecido a ele a minha vaga! Aquele... sempre soube que queria me ferrar”. Por alguns minutos Janaína amaldiçoou toda a ancestralidade de descendência de Luís enquanto planejava um número considerável de formas de se vingar.<br />
<br />
Ainda faltavam sete horas para a reunião. Janaína, então,
se dirigiu a sala do chefe de forma a adiantar o seu destino trágico. Frustrada. Ele
estava em uma reunião em São Paulo e o avião só aterrizaria no aeroporto de Vitória às
14:20. Tentou, mais uma vez, sondar discretamente no <i>whatsapp</i><i> </i>o assunto da
reunião. Entretanto, não obteve resposta, mesmo após verificar que ambos os sinais estavam azuis. Teria
que esperar até às 15:00.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Durante o dia, Janaína não se moveu de sua mesa e sequer saiu para
almoçar. Poderia estar adiantando todo o serviço pendente, mas resolveu entrar
em <i>sites</i> de busca de emprego,
intercalando a busca com repentinas idas ao banheiro, local onde chorava, assoava o nariz, lavava o
rosto e iniciava uma crise de riso. Tudo nessa exata ordem, todas as cinco vezes em
que o fez durante o dia.<br />
<br />
Iria embora sem conversar com o chefe. Colocaria a sua
carta de demissão sobre a grande mesa de mogno do patrão e partiria sem se
sujeitar àquele papel. Hesitou. Talvez houvesse alguma forma de concertar o
erro: cancelar o negócio, ressarcir o cliente com o próprio dinheiro, fazer
horas extras de graça... Alguma coisa poderia ser feita. Inútil. Sabia, no fundo, que
estava tudo perdido. A sua carreira seria mais um exemplo de um meteorito
decadente. Era o fim da linha. THE END OF THE LINE. “Não, vou encarar e sair
com dignidade, sou uma profissional!”. Optou por aguardar as temidas quinze
horas.<br />
<br />
Lá estava no relógio. 15:00. Ouviu a porta do elevador abrir à distância
e a voz grave e alta do chefe ecoar pelo corredor. A perna direita de Janaína parecia uma
britadeira que romperia o assoalho a qualquer instante. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Luís, agora com a visão normalizada e com um sorriso enorme no rosto de quem fechou um bom negócio, caminhou
lentamente em direção a Janaína e a informou de que o chefe a aguardava. “Traíra, quero ver até onde vai esse sorriso”.
Levantou-se, suspirou o mais fundo que podia e se dirigiu ao matadouro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
- Janaína, entre logo, não temos tempo a perder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
“É assim? Dez anos dando o meu sangue e quer tudo limpo e rápido?”.
Sentou-se de frente ao chefe que jazia as mãos cerradas sobre a mesa.
Olharam-se nos olhos por quase um minuto sem proferirem uma única palavra.
Janaína se encontrava a beira de um infarto e o rosto de seu chefe era
indecifrável.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
- Pois bem, já tem uma década que você está aqui conosco e, nesse
tempo, tem sido um prazer tê-la como colaboradora. Ocorre que as coisas mudam. Janaína,
não queremos você mais como colaboradora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
“Como eu vou fazer para pagar
as prestações de meu apartamento? Vão me despejar, serei a mais nova sem-teto da balada”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
- Na verdade....<br />
<br />
"Enfia logo essa faca em meu peito, maldito"<br />
<br />
- ... Avaliamos a situação financeira da empresa e a produtividade dos colaboradores e...<br />
<br />
"A minha mãe terá certeza do fracasso que sou... o meu pai vai morrer de desgosto..."<br />
<br />
- Bem...o negócio foi um sucesso, acho que já está na hora de colocarmos o
seu nome na nossa placa. <o:p></o:p><br />
<br />
- Oi??<br />
<br />
- Parabéns, sócia!</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Janaína foi e voltou do inferno por pelo menos trinta vezes antes de compreender
o que acabara de acontecer. Inclusive, enquanto o chefe falava, pensava em uma forma indolor de suicídio. As palavras chegavam ao seu ouvido e ricocheteavam
no espaço sideral para depois de alguns anos luz serem processadas em sua
mente. O chefe franziu a testa, pois um silencio estarrecedor havia sido instaurado e
séculos se passaram sem que Janaína esboçasse qualquer reação. Atônita, a única
coisa que foi capaz de fazer foi proferir um silencioso obrigado e sair
cambaleando da sala da chefia.<br />
<br />
Diante do acontecido, precisava ir ao toalete se recompor. Olhou-se no espelho e viu todo o seu mundo se erguer novamente. O
coração continuava acelerado, mas era de alívio. Teve outra crise de riso, chorou e riu
novamente. Preparou-se para sair triunfante quando o celular tocou mais uma vez.
Era uma mensagem de seu namorado.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;">
“Precisamos conversar”<o:p></o:p></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Eder de A. Benevides.<o:p></o:p></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-26342654506225315002018-01-17T04:50:00.000-08:002018-01-17T05:52:30.554-08:00I - Três da Madrugada<div class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Três da madrugada e a
fina película que separa o mundo dos sonhos do nosso se rompeu. Dionísio, pela
terceira madrugada seguida, acendeu um Luck Strike mentolado e observou de sua
janela os edifícios fracamente iluminados pela luz amarela dos postes. Sentia pesadas correntes de aço envolvendo e
pressionando as suas costelas. Pela terceira madrugada seguida não foi capaz de
abrandar o peso das correntes. Precisava conviver com elas, pois haviam sido
presas ao seu torço há muito tempo. É bem verdade que, por breves momentos, seja
capaz de se esquecer de sua existência. “Você precisa abstrair dessa bobajada
toda”, diziam todos. Por muito tempo se empenhou no exercício de abstração e
abstrair se tornou um verbo cotidiano. O Luck Strike serve, certamente, como
forma de abstração. Enquanto sente o prazer da nicotina relaxando os seus
músculos, as correntes cedem momentaneamente, para depois voltarem a sufocar. Estava
acostumado a ideia de que nunca se acostumaria. Talvez devesse ler um livro,
assistir um filme, ou achar algum ser insone no <i>messenger</i> para papear, mas faltava-lhe o ímpeto. Alias, o ímpeto
lhe faz falta, e como faz. Pela manhã teria que entregar dois relatórios, ambos
não finalizados. Poderia muito bem concluí-los naquele momento, na casa das
três da matina. Faltava-lhe ímpeto. Ascendeu outro Luck Strike mentolado, pois era
necessário abstrair mais. Quando criança não fora capaz de prever o homem fraco
que se tornaria. Era uma criança promissora e com sonhos grandes. Uma noção de
inferno real seria o confronto diário com as suas versões pretéritas desviando
os seus olhares decepcionados. Sentiu vergonha e foi tomado pela mais pontiaguda
dor, localizada no vértice de sua alma. A luz amarela esvanecente, que cobria o
concreto da rua e dos edifícios, se confundia com o seu próprio espírito. Junto
à madrugada se camuflava com o que havia de fosco e lúgubre. Em determinado
momento, entre a metade do segundo cigarro e o seu fim, surgiu de seu estômago
algum ímpeto. Com um direcionamento específico. Talvez, lá fora, poderia se
juntar às demais criaturas da noite munidas de igual ímpeto repentino. Vestiu
um pulôver carmim e adentrou a cidade erma. Errou por alguns quarteirões até
encontrar, sob uma hibisqueira, um cão taciturno que caminhava de um lado ao
outro. Ao perceber a sua presença, o cão cessou a andança e o encarou imóvel. Dionísio continuou a caminhar em direção ao
cão inerte. Estava sujo, com os pelos ensebados e grudados,
havia uma ferida exposta em seu dorso. Carne-viva. A face do bicho carecia de
intenções, imprevisível. A dor
pontiaguda latejava a cada passo. A alguns centímetros de distância, abaixou-se e acariciou a criatura, que logo
mordeu a sua mão. Dionísio permaneceu imóvel enquanto escorria sangue das
mandíbulas cerradas sobre a pele. Aos poucos a mordida cessava, de forma que,
em instantes, o cão passou a se afagar na mão ensanguentada. Por um
momento, uma brisa noturna veio para também afagar os seus cabelos. Flores de
hibisco verteram e bailaram brevemente no ar. Dionísio foi acometido de uma epifania, a qual seria, brevemente, esquecida, pois as correntes, além de
sufocar, roubavam-lhe a memória.<o:p></o:p></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-37374371776612503992014-02-28T07:01:00.000-08:002014-02-28T07:01:35.150-08:00Vento.Certo dia,<br />
<br />
Veio um vento forte e derrubou<br />
as barreiras mais encouraçadas.<br />
Uivou notas polifônicas por entre<br />
as frestas das portas semiabertas.<br />
Derrubou os castelos de cartas<br />
E soprou a poeira para longe.<br />
Abriu as janelas, e o sol,<br />
que outrora pintava o chão<br />
como mínimos feixes, tomou o lugar.<br />
<br />
Vento vindo dos confins do mundo,<br />
possuia caráter próprio.<br />
Ocupava-se de romper, simplesmente;<br />
de ultrapassar a epiderme e a carne.<br />
<br />
Balançou a cabeleira<br />
Preencheu os pulmões<br />
Arrepiou os pêlos da nuca;<br />
do braço;<br />
do púbis;<br />
Tirou os ciscos dos olhos<br />
Arrancou a alma do corpo<br />
<br />
Deixou apenas o cheiro de lavanda.<br />
<br />
Eder de A. BenevidesUnknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-21157078182633968382013-08-10T15:07:00.000-07:002013-08-10T15:12:04.333-07:00Folha<div class="MsoNormal">
Sou folha fresca que cai sobre água corrente.</div>
<div class="MsoNormal">
Guiando-me, sinuosa, entre os vales desse mundo.</div>
<div class="MsoNormal">
Vi os campos de trigo de Van Gogh e fui esmagado</div>
<div class="MsoNormal">
sob o seu céu de inefáveis estrelas. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No caminho das águas tornei-me as estações.</div>
<div class="MsoNormal">
Já iluminei os dias ensolarados de janeiro.</div>
<div class="MsoNormal">
Por mais de uma vez fui o amarelo, o laranja e o vermelho.</div>
<div class="MsoNormal">
Por pouquíssimas, soprei o gélido ar do inverno.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na correnteza, senti deveras mais do que vi</div>
<div class="MsoNormal">
Senti uma falta tremenda das águas pretéritas;</div>
<div class="MsoNormal">
Até de águas pelas quais nunca errei.</div>
<div class="MsoNormal">
(estranha essa suspeita de ter vivido o absurdo)</div>
<div class="MsoNormal">
Vi o vento carregar palavras e gargalhadas e olhares</div>
<div class="MsoNormal">
para longe...</div>
<div class="MsoNormal">
Como se fossem poeira.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Receio ainda não ter visto muito do caminho.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Hoje, prefiro ser primavera.</div>
<div class="MsoNormal">
Prefiro ser o mensageiro de incontáveis campos floridos</div>
<div class="MsoNormal">
E desbravador de um momento inédito.</div>
<div class="MsoNormal">
Não quero o bucolismo que encontrou Werther</div>
<div class="MsoNormal">
Porque, dele, obteve apenas ilusão.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na aurora, em meio ao orvalho sobre o solo delicado,</div>
<div class="MsoNormal">
Verei o otimismo brotar triunfante. </div>
<div class="MsoNormal">
Resultar em flores concretas que sobreviverão;</div>
<div class="MsoNormal">
Que relutarão em se tornarem memória em meio </div>
<div class="MsoNormal">
ao livro sem lembranças.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Doravante sou pétala entregue à brisa.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eder de A. Benevides.</div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-5840225820080806292013-06-24T11:53:00.001-07:002013-06-24T16:22:24.461-07:00Precisamos Amadurecer<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;">Uma
sociedade madura democraticamente é uma sociedade que entende o funcionamento
das instituições sociais. O que falta para os manisfestantes é esse
conhecimento. É saber quais são as funções do legislativo, executivo e
judiciário. É saber que o controle da PM, por exemplo, é do Governo do estado e
que cada ente tem competências diferentes. Isso não é um conhecimento que
deveria ser exclusivo dos alunos de Direito e de outras áreas da Humanas. Esse
saber necessita ser democratizado para criar um país democraticamente
maduro. E a melhor saída para isso é a educação. Está aí a
importância das ciências humanas do ensino fundamental e médio. Por isso que
aulas de sociologia e filosofia são importantes! Enquanto as ciências exatas e
naturais são fundamentais para o progresso científico e econômico, as ciências
sociais são importantes para o progresso social e democrático. Dessa forma,
afirmo que prescindir desse conhecimento na educação é um ato de autoritarismo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;">Dessa
tese parto para o niilismo que tomou as ruas. O primeiro suspiro engajado deu
lugar à manifestações disformes e de conteúdo frágil. E isso se dá basicamente
pelo desconhecimento das instituições que compõem a nossa sociedade. Esse grito
anti-partidos políticos que ganha força é fruto do desconhecimento de que
vivemos uma democracia representativa e que são os partidos que nos
representam. Por mais que não concordemos com a visão política de alguns,
existem outros que contemplam os nossos anseios. Por isso a multiplicidade de
partidos. É direito deles também estarem nas ruas e levantar propostas. Isso
NÃO é oportunismo! Faz parte da democracia que escolhemos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;">Outro
fruto do desconhecimento, muitas vezes alimentado pela propagação da
desinformação feita pela grande mídia é o anseio pelo Impeachment da Dilma. Me
desculpem, não há como exigir o impeachment por simples descontentamento.
Existem uma série de requisitos constitucionais a serem preenchidos. Os crimes
de responsabilidade passíveis de levar a presidenta estão
elencados no artigo 85 de nossa Constituição e especificados em legislação especial (lei n 1.079/50).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">"Art. 85. São
crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem
contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">I - a existência da
União;<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">II - o livre
exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e
dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">III - o exercício
dos direitos políticos, individuais e sociais;<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">IV - a segurança
interna do País;<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">V - a probidade na
administração;<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">VI - a lei
orçamentária;<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">VII - o cumprimento
das leis e das decisões judiciais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Parágrafo único.
Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de
processo e julgamento."<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;"><br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--></span><span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 18pt;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;">Essa
manifestação só faz sentido dentro dessas hipóteses. Simples descontentamento
se resolve de quatro em quatro anos nas urnas ( e em reivindicações
propositivas nas ruas )!</span><span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;">É
muito latente, também, em nossa sociedade, a separação rigorosa de "atos
de esquerda" e "atos de direita" o que abre espaço - agora sim -
para o oportunismo e má fé. É comum sempre dizerem que exigir a redução das
tarifas de ônibus e a melhoria do transporte público é "pauta de
esquerda". Mas, por que? Não é de interesse de todos que as tarifas sejam
acessíveis e a qualidade do transporte seja boa? Por mais diferentes que sejam
as visões ideológicas certos interesses são convergentes. Talvez estejam
confundindo "direita" no brasil com uma elite econômica cujos
interessem nada têm a ver com ideologia, e sim com o seu bolso. E em relação a
corrupção? Por que o combate à corrupção e a exigência de meios de controle
mais efetivos por parte da população são anseios da "direita"? Me
desculpem, sou de esquerda e também me revolto com os níveis de corrupção no
Brasil. Tenho desconfiança em relação à PEC 37 (por mais que minha opinião
ainda não esteja completamente formada) e gostaria que os parlamentares
corruptos fossem devidamente punidos. Não só aqueles do PT, mas todos os outros
e de outros partidos. O núcleo corrupto do Brasil não se resume aos
"mensaleiros". Há muitos outros que precisam ser devidamente julgados
e punidos. Temos que amadurecer nossos conceitos para entender que nem tudo se
resume a esquerda/direita. Essa limitação afeta a atuação política de cada um
de nós. Ok que a mídia (predominantemente da direita elitista no Brasil) usa
dessas reivindicações de forma maliciosa para atender os próprios anseios, mas
isso é consequência direta dessa imaturidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;"> Não
estou aqui deslegitimando o direito de manifestar de quem manifesta por causas
frágeis (algumas tão perigosas que beiram o fascismo). Apenas digo que elas
partem da desinformação e do desconhecimento das nossas instituições e que elas
servem muito mais a quem realmente está de ma fé do que ao povo brasileiro. E
democracia também é isso, o direito à crítica. Tenho o direito de dizer que é
imbecil o que eu acredito o ser! A manifestação tem muito mais corpo quando
baseada numa compreensão mais inteiriça da realidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;">Uma
sociedade democrática necessita de pluralidade de partidos, atuação intensa da
sociedade civil organizada, eleições periódicas, acesso à informação de todos
os tipos ( daí vejo a necessidade da criação de uma Lei de Meios, assim como a
feita na Argentina, mas isso fica para outro texto) e, o mais importante, uma
população politicamente engajada e preparada para isso. E, como já disse, esse
preparo está na educação. Com aulas de Filosofia, Sociologia, Ética e, também,
de Direito. Eduardo Galeano costuma dizer que esse mundo "de mierda"
está gravido de um mundo melhor, mais bonito e justo. Todos nós devemos
contribuir para que ele venha a luz da melhor forma possível. A cidadania é um
caminho e esse se percorre, com muito mais força, na escola.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 13.5pt;">Eder
de A. Benevides<o:p></o:p></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-42534892383153043282013-06-15T13:38:00.000-07:002013-06-15T13:43:56.450-07:00A Ordem, a Ilegalidade e a Negação de um Estado De Direito.<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p> </o:p>Certa vez, um professor da disciplina de Ciências Sociais me
disse, nos corredores do departamento de Economia da minha universidade, que a democracia se trata de conflito e que só é plena dentro deste. Me disse que
a ideia de ordem e consenso é perigosíssima e responsável pelas maiores atrocidades
da humanidade, seja para que direção a ideologia tenha curvado. Foi através dos
meus estudos dessa disciplina que me encantei com a ideia de democracia, não
como um axioma colocado para nós como a via correta, mas em sua essência. A
ágora, a praça pública onde os cidadãos disputam os seus interesses e cobram o
Estado, é o coração da cidadania e, apenas nela, e para ela, que uma sociedade
pode ser justa.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O Governo brasileiro, em toda sua recente repressão e
imbecilidade, faz negar o direito do cidadão de pleitear os seus direitos, interdita
a ágora e mata a democracia. A repressão descomedida da PM em São Paulo é
repleta de ilegalidade e desrespeito ao cidadão. O poder de polícia deve ser
usado em prol da sociedade civil, e não contra ela. Garantias constitucionais e
direitos tão fundamentais como o de ir e vir foram negados. Ouvi relatos de amigos que foram interceptados
pela PM nas ruas paulistanas pelo único motivo de serem jovens. Tentam
marginalizar a juventude como forma de legitimação da barbárie e do
autoritarismo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em um Estado de Direito, toda ação do governo deve ser
calcada na lei. É o que garante a segurança de cada um e nos permite dormir
tranquilos ao saber que vivemos em uma sociedade cujo governo age na bitola do
Direito, e não por seus desígnios mais nefastos. Quando a ação do Governo age
fora da lei, temos o autoritarismo e a supressão de toda a segurança que os
anos de luta das gerações passadas nos legaram. Uma professora ser atingida no
rosto com uma bala de borracha por transitar é ilegal. Impedir a imprensa de
tornar público o que se passa e garantir o direito à informação do cidadão é
ilegal. Quebrar a janela da própria viatura para poder empregar a mais pura força
bruta é ilegal. Impedir a livre manifestação de civis é ilegal. Ou seja, o
corolário mais importante de um Estado de Direito, que é a legalidade, também
foi negado.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A ideia de ordem está impregnada nos setores mais
conservadores da sociedade, na grande imprensa, na Polícia e no Governo, tanto o
federal quanto o Estadual. Ao contrário do que está escrito na bandeira de nosso
país, a ordem não está relacionada ao progresso ( para mim, a conquista de uma sociedade justa ). Pelo menos não essa ordem que pretende
amordaçar o povo; que pretende criar um conceito único de como deveria ser a
sociedade brasileira; que prioriza o interesse de uma concessionária de
transporte público em detrimento de cada cidadão. O progresso só pode ser
alcançado através do conflito, através das vozes de cada um que vai às ruas e
brada o seu ideal de sociedade. </div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Devemos lutar, agora, mais do que nunca, pela democracia
como se deve ser e por um verdadeiro Estado de Direito. Temos esse dever para com a próxima geração e
para com nós mesmos. Não podemos permitir que o Estado abuse de seus poderes e
nos oprima. Hoje, tivemos grandes manifestações em Belo Horizonte, São Paulo e
Brasília. É a nossa juventude ocupando seu espaço e reavendo para si o que lhe
é mais precioso: o direito de sonhar.<br />
<br />
Eder de A. Benevides</div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-49957422003657112432013-05-02T21:30:00.000-07:002013-05-02T21:30:55.157-07:00Paixão de Carnaval<br />
É sentimento bem danado esse da paixão<br />
Que não marca hora e nem lugar próprio<br />
Para tirar de ti o que chamas de chão.<br />
Sem solo sobra a leveza do puro ópio<br />
E a certeza de que pouca coisa há em vão.<br />
<br />
<br />
A paixão basta por si só.<br />
<br />
E no crepúsculo das horas juntinhos<br />
Sobra a vontade de encontrar de novo;<br />
De trilhar novamente todos os caminhos;<br />
Para trocar aquele sorriso gostoso;<br />
Tocar o cabelo, a pele, a boca...<br />
<br />
E o olhar?<br />
<br />
É bem esse que mais me causa o mal!<br />
Coloridor da noite neon e estrelada<br />
Que me faz buscar na fantasia irreal<br />
A tua figura amanhã em minha jornada.<br />
A tua figura incomum, <br />
Turva,<br />
Fugaz,<br />
De carnaval.<br />
<br />
<br />
Eder Benevides.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-9159291405993568432013-05-02T20:55:00.000-07:002013-05-02T22:35:08.002-07:00Náusea <div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br />
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">O desapego da vida lhe parecia ressaca<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Que teve de alguma bebida rubra oxidada.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Doía-lhe a cabeça a música do dia;<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Notas que lhe eram incessantes marteladas na mente.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">"O que me restou do vão toque</span><span style="background: white; color: #37404e; font-family: "Arial","sans-serif";">?</span><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Das sílabas fugitivas dos lábios aveludados<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Que se tornaram letras tortas e caídas<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Como anjos que vertem dos céus</span><span style="background: white; color: #37404e; font-family: "Arial","sans-serif";">?</span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></span><span style="font-family: Arial, sans-serif;">"<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Atravessara, esperançosa, o beco do seu íntimo,<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Cruzou a porta do puro prazer dos corpos.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Entretanto, ele tinha a pélvis entre outras pernas.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Não era o seu suor sobre aquela pele.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Ordenou que continuassem a dançar o balé; <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">O coito pútrido do adultério.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Queria assistir o espetáculo de movimentos,<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">De odores e gemidos - menos doces que os seus.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Foi na direção do piano de frente ao divã musgo,<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Sentou-se e tocou Chopin de olhos fechados<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Para que ouvisse os sons<span class="apple-converted-space"> </span><i>de
la chambre</i><span class="apple-converted-space"> </span>junto aos tons.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Seria a derradeira trilha da perfídia.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Fez do piano instrumento austero.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Amassava as teclas com a força de suas lágrimas.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Um eclipse tampara toda luz do mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">E da realidade só podia capitar os sons.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">E as imagens de sua mente.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Era seu<span class="apple-converted-space"> </span><i>cabaret</i><span class="apple-converted-space"> </span>de<span class="apple-converted-space"> </span><i>Toulouse
Lautrec</i><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">As notas ganhavam textura e davam perspectiva.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Os gritos, as respirações fortes e o ranger do divã<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Eram os mais impetuosos traços numa tela etérea.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<i><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Fantasie Impromptu<span class="apple-converted-space"> </span></span></i><span style="font-family: Arial, sans-serif;">trouxe os acordes do gozo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Mas não deixou que se regozijassem<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Pegou o revolver e os mandou ao submundo<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Sem moedas para que entregassem ao barqueiro<i>.</i><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Dentro a alma se tornou o vinagre que sucede o vinho<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">E a tormenta daquela mente nunca cessou.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Da janela de sua cabine observou as águas turvas.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Fez da tempestade uma eternidade de náusea.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Eder Benevides<o:p></o:p></span></div>
<br />
<u1:p></u1:p></div>
<u1:p></u1:p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-81401940797215062462013-02-18T08:44:00.001-08:002013-02-18T08:44:46.354-08:00O Viajante.A cada visão do horizonte o seu existir era palpitação<br />Reverberava feliz, pleno de uma intensa luz própria<br />Sua estrela vibrava num universo em expansão.<br />Cada átomo<br />Cada partícula <br />Incrementava a completude do que era<br />E do que, por sua jornada, viria a ser.<br />Corria pelo mundo por estradas e entre moinhos<br />Junto ao ímpeto, guiado por peculiar forma de prazer. <br />Não ligava se estava acompanhado ou sozinho,<br />Pois inefável a liberdade dos cabelos ao vento.<br />A verdade é que nunca esteve realmente só.<br />Sempre havia uma alma num determinado momento<br />Em plena sintonia<br />Em similar vibração<br />A percorrer o canion dos espíritos inquietos.<br />Percebeu, assim, que existir não é arte em vão.<br />É necessário mergulhar e ganhar as águas profundas<br />Sair da superfície donde almas apáticas são oriundas.<br />Tocou um rosto<br />Correu por ruas <br />Dominou idiomas<br />Viu suas fantasias nuas<br />Sem pudor<br />Sem ninguém se opor.<br />Emocionou-se<br />Com o artista <br />Dominador da verdade do sorriso.<br />E desejou, com todo querer, que ele sempre exista,<br />Como mais que um aviso,<br />Nos seus sonhos e caminhos mais vertiginosos.<br />Mais lúgubres.<br />Para que nas noites e nas tempestades apavorantes<br />Aquele sorriso seja um lampejo de alegria <br />Pacto dos que da vida e do mundo são amantes.<br />Acima dum raio que por um segundo faz dia,<br />Que corta o céu e o acende momentaneamente,<br />Queria que fosse luz perene. <br />Vinda dos cosmos, da sua estrela incandescente.<br />
<br />
Eder de A. BenevidesUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-33244814527661065092012-05-14T13:48:00.001-07:002012-05-14T18:44:08.068-07:00A Bomba do Amor - Parte 4Com o pêndulo entre os dedos, Lucas pôde sentir que um palpite permeava o seu imaginário. Olhava para Tia Jú, para o livro e para os colegas. Estava irremediavelmente inquieto. Que mensagem aquela vibração tentava transmitir? Folheou mais uma vez o livro de poemas, e, a cada página, o palpite se construía mais, amiúde se tornava uma mensagem clara. Foi então que a professora os pediu que escolhessem o poema que achassem mais bonito, fossem à lousa e o escrevesse. O primeiro a ser escolhido foi Lucas. A inquietude tomou-lhe as pernas, a cabeça e o coração. Sentiu que estava prestes a fazer algo de augusta importância. Pôs-se frente à sala, fitou os seus coleguinhas nos olhos e suspirou profundamente. Virou-se, pegou um giz sobre a mesa da professora, abriu o livro na página da poesia escolhida e começou a escrever. A cada palavra escrita o pêndulo vibrava mais forte, junto às batidas fortes de seu coraçãozinho.<br />
<div>
<br /></div>
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<i>As Sem-Razões do Amor</i></div>
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<br /></div>
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<i>Eu te amo porque te amo,</i></div>
<div>
<i>Não precisas ser amante</i></div>
<div>
<i>e nem sempre sabes sê-lo</i></div>
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<i>Eu te amo porque te amo.</i></div>
<div>
<i>Amor é estado de graça</i></div>
<div>
<i>e com amor não se paga.</i></div>
<div>
<i>Amor é dado de graça,</i></div>
<div>
<i>é semeado no vento,</i></div>
<div>
<i>na cachoeira, no eclipse.</i></div>
<div>
<i>Amor foge a dicionários</i></div>
<div>
<i>e a regulamento vários.</i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>Eu te amo porque não amo</i></div>
<div>
<i>bastante ou demais a mim.</i></div>
<div>
<i>Porque amor não se troca,</i></div>
<div>
<i>não se conjuga nem se ama.</i></div>
<div>
<i>Porque amor é amor a nada,</i></div>
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<i>feliz e forte em si mesmo.</i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>Amor é primo da morte,</i></div>
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<i>e da morte vencedor,</i></div>
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<i>por mais que o matem (e matam)</i></div>
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<i>a cada instante de amor.</i></div>
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<br /></div>
<div>
Terminou de escrever o poeminha de Drummond e virou-se. Quando se deu conta viu que todos os coleguinhas e até a professora estavam profundamente emocionados. Pedro e Júlia, que viviam brigando e implicando um com o outro, estavam, naquele momento, abraçados. Tiago, o valentão da turma, derramava lágrima sem parar, e a professora, que já havia lido aquele poema dezenas de vezes, olhava-o com absoluta incompreenção, pois não sabia o porque de estar tão emocionada. A sala de aula ficava cada vez mais harmônica e podia se sentir no ar algo de leve e bom. Lucas, depois de alguns segundos de perplexiadade, soube que aquilo era, certamente, obra do pêndulo de Melquíades. Vó Meméia havia lhe dito da Nitroglicerina do Amor e a resposta da matéria prima dessa substância agora lhe era clara "é a poesia!".</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Após a aula correu para casa. Entrou, viu novamente a porta do quarto da mãe fechada, respirou fundo e se trancou no antigo escritório do pai. Pegou várias folhas de papel, o livro de poemas e refletiu, por vários minutos, numa forma de, primeiramente, ajudar a sua amada mãe. Leu todos os poemas, mas nenhum lhe pareceu bom o suficente para tirar Luiza daquela profunda depressão. Queria algo que a deixasse, sem nenhuma dúvida, feliz. Precisava de ajuda. Saiu do quarto, pegou a bicicleta e pedalou o mais rápido possível para a casa da vó.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Meméia trabalhava em pequenos e delicados bonequinhos de biscuit quando Lucas entrou esbaforido pela porta da varanda. O neto, desajeitado, tirou um papel do bolso com alguns versinhos escritos e a pediu que os lessem. Sentiu-se extremamente feliz e contemplada, como se tivesse lido a mais pura essência do sentimento humano. Os bonequinhos que modelava ficavam a cada instante, depois daquela leitura, mais bonitos. Olhava para o neto, que parecia demasiado apreensivo, e sorria e gargalhava e lhe dava bonequinhos para que também modelasse. Ouviu a incrível estória do neto e fizeram algumas experiências. Meméia lia os poemas que estavam no livro e os poemas escritos pelo punho de Lucas. Foi então que a velhinha compreendeu a exata medida do poder que a mágica conferira ao netinho. Lucas podia tocar o coração das pessoas com a poesia, mas apenas com o que fosse escrito à mão.</div>
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<br /></div>
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- Vó, agora eu preciso ajudar mamãe. Mas não sei qual poema escolher. Quero deixá-la escandalosamente feliz.</div>
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<br /></div>
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- Lucas, eu tenho um palpite. Acho que nada seria mais forte do que algo escrito por você mesmo. Porque não há mais ninguém que ame tanto a sua mãezinha do que o próprio filho, não é verdade?</div>
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<br /></div>
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- Há sim. Você que é mãe dela.</div>
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<br /></div>
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- Mas quem tem o poder é você.</div>
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<br /></div>
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- Mas não sei escrever poesias. Nunca escrevi uma em minha vida.</div>
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- Ué, mas não há segredo. Só é preciso sentir, pegar a caneta e se deixar levar. Poesia é a arte do coração e para escrevê-la, basta sentir. Faça uma grande surpresa!!</div>
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<br /></div>
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- Sabe o que eu queria também?</div>
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- O que, meu lindinho?</div>
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- Que papai voltasse.</div>
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O pai de Lucas os havia abandonado do dia para noite, sem nenhum motivo aparente. Haviam ido ao circo um dia antes do sumiço. Lá riram, brincaram e se divertiram com todos aqueles espetáculos. O favorito, tanto de Lucas quanto do pai, era o terrível globo da morte. Assistiam os dois com os olhos entrecobertos, com apenas uma frestinha entre os dedos. Comeram pipoca, cachorro quente e compraram vário balões de gás hélio. Lucas imaginava quantos seriam precisos para que alçasse voo. Não imaginariam jamais o que seguiria. Fora no aniversário de Luiza que encontraram sobre a mesinha de centro da sala um bilhete.</div>
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<i>Eu os amo, mas precisei partir. Espero que Lucas se torne um homem melhor do que eu.</i></div>
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<br /></div>
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<br /></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-79891536814585518272012-05-08T10:53:00.000-07:002012-05-08T18:24:25.974-07:00A Bomba do Amor - Parte 3Lucas ouviu a estória do pêndulo com muita atenção. Fez vária perguntas sobre o misterioso Melquíades. Se a vó o vira outra vez, se trazia com ele outras relíquias encantadas, se ele ainda vagaria por aí junto com a incrível caravana. Entretando, Meméia não pôde responder aquelas perguntas. Passara a vida inteira imaginando as mesmas coisas, sempre esperançosa de encontrar o enigmático cigano mais uma vez. Por fim, ela entregou o delicado objeto ao neto, que o segurou com certo receio. Não sabia o que fazer com aquilo, como o ajudaria a construir a sua grande engenhoca.<br />
<br />
- Vó, você descobriu o que ele faz?<br />
<br />
- Nunca descobri ao certo, mas conheço o seu poder. Sei que poderá ajudá-lo. - disse a velhinha, confiante.<br />
<br />
- Como então você conhece o poder se não sabe como funciona ?<br />
<br />
- Eu descobri que a mágica funciona por seus próprios meios, e não por meio de uma lógica. Não é igual nos contos de fada em que basta pronunciar palavras encantadas que o encanto está lançado. O pêndulo funciona de acordo com os sentimentos de quem o carrega. - Lucas ouvia sem piscar os olhos - Ele me serviu a vida inteira, me ajudou a criar todos os meus iventos, a passar pelas situações mais sofridas e respeitar a mais profunda e verdadeira mágica.<br />
<br />
A expressão do neto mudou.<br />
<br />
- Então, por que não ajuda a mamãe? Por que deixou que Papai se fosse? Vó! Por que não fez nada? - Disse Lucas com uma tristeza enorme e uma decepção maior ainda.<br />
<br />
- Lucas, meu amado neto - disse com ternura. O pêndulo só pode ajudar quem o carrega. Tentei passá-lo para Luiza ( mãe do Lucas ), porém, ela nunca acreditou em mim. Sempre achou que eram bobagens minhas, invenções, delírios! É por isso que não pude ajudá-la. Agora estou lho dando, na esperança de que consiga trazer alegria para sua mãe e para muitos outros com esse seu projeto tão bonito.<br />
<br />
- Mas você disse que o pêndulo só é mágico para quem o tem.<br />
<br />
- Mas disse também que ele funciona por seus meios próprios e de acordo com os sentimentos de cada dono. Querido, já está tarde. Deve ir para casa.<br />
<br />
Já era noite. Lucas colocou o pêndulo de Melquíades no bolso e foi para casa. Encostou a bicicleta no portão, entrou e viu que o quarto da mãe continuava fechado. Empurrou a porta e, com ela entreaberta observou a silhueta lúgubre da mãe deitada.<br />
<br />
- Filho, mamãe não está se sentindo bem. Já está na hora de dormir. Amanhã tem aula cedo. - Disse a mulher com a voz fraca e minguante.<br />
<br />
Foi tomado por uma melancolia estranha ao coração dos pequeninos. Sentia saudades do tempo, não tão distante, em que era profundamente feliz. Do tempo em que o sorriso de sua querida mãe tinha o poder de arrancar-lhe a alegria do peito mesmo quando estivesse mais raivoso. Gostava de passar as tardes desenhando com suas canetinhas coloridas para depois mostrar a grande pilha de lindos desenhos, os quais Luiza comentava um a um com o júbilo saltando aos olhos. Não queria mais o frio e a aura soturna que tomara o seu lar. A volta dos tempos cálidos e luminosos era o seu maior querer. Foi dormir com o pêndulo apertado por suas mãos e não o soltou por um único instante.<br />
<br />
Sonhara com toda a estória da vó. Com o velho Melquíades, com sua mãe, com o pai. A cada momento o sonho parecia prenunciar algo de grande que aconteceria na hora em que acordasse. Tivera alguns lapsos do futuro, todavia, não pôde os compreender, pois tudo era turvo e confuso. Com o tempo os sonhos foram se diversificando e dando lugar a sonhos mais leves e normais, até que a alvorada chegasse.<br />
<br />
Pela manhã, acordou mal humorado. Não queria ir à aula, mas lembrou-se de que seria literatura o tema do dia. Sempre gostou da matéria pois adorava ler. Lia os mais diversos livros que a Vó Meméia constantemente lhe dava de presente. As Crônicas de Narnia, O Pequeno Príncipe, Sherlock Holmes, Vinte Mil Léguas Submarinas. Entretanto, essa aula não seria sobre fantasia, mas sim sobre poesia! Chegou à sua sala e a professora já começava a explicação.<br />
<br />
- Alunos. Hoje Falaremos sobre o lindo mundo da poesia.<br />
<br />
Todos ficaram perplexos, pois poesia sempre parecera algo demasiado chato e enfadonho. O semblante dos alunos não desencorajou a professora, chamada por eles de Tia Jú.<br />
<br />
- Gente, a poesia é um forte modo de expressar o que se sente e um ótimo meio de presentear uma namorada! - Disse triunfante - Pois só os verdadeiros românticos escrevem poesia e conquistam a menina dos sonhos.<br />
<br />
As meninas moveram a cabeça como se concordassem com as palavras da Tia Jú. Alguns meninos fizeram cara de eca e outros questionaram porque só as meninas deveriam receber poemas. Pouco a pouco a professora despertava o interesse dos alunos, que prestavam cada vez mais atenção na aula. Lucas estava absorto na explicação desde o inínio, pois aquilo o interessou fortemente. Como nas estórias da Vó Meméia, sequer piscou os olhos.<br />
<br />
Durante o dia, Tia Jú os mostrou vários poemas: Shakespeare, Drummond, Pablo Neruda. Explicou a estrutura - como são separados em versos e estrofes - a metáfora, as figuras de linguagem. Contou da vida dos grandes poetas e de como gostava deles. Por fim, explicou o fenômeno como um grande céu, incólume, livre de tudo o que foge da essência, onde às estrelas são atribuídos significados. O brilho desses astros, no céu do poeta, é a reverberação de seus próprios sentimentos, de seu próprio eu. Era o esplendor da própria matéria que constituia o coração humano. Falou complicado e muitas das crianças, que ainda estavam na quarta série, não entenderam as palavras bonitas da jovem professora. Lucas estava extasiado. Compreendera cada palavra. Sentia que havia descoberto um grande tesouro cujo significado ainda se fragmentava em sua mente.<br />
<br />
Foi então que um livro foi entregue a cada aluno. Deveriam ler as poesias e achar aquelas que mais os agradassem. Lucas pegou um livro de poemas de amor, leu vários deles e imergiu em um êxtase distinto. Parecia que a infelicidade dos seus dias sumira por aquele momento de reflexão. Cada estrofe o trazia paz indescritível. Sentiu, então, algo vibrar no bolso direito. Enfiou lá a mão e percebeu que o pêndulo vibrava forte. O que será que significava aquilo? Algo de mágico estava acontecendo.<br />
<br />Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-84227335146219803562012-05-06T14:48:00.001-07:002012-05-08T07:35:43.481-07:00A Bomba do Amor - Parte 2Fica aí a segunda parte de meu conto. Nessa segunda parte me inspirei em um de meus heróis literários. Quem leu o "Cem Anos de Solidão" terá - espero eu - uma feliz surpresa. Um grande abraço para os leitores.<br />
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<br />
<b>A Bomba do Amor - Parte 2</b><br />
<br />
<br />
<br />
Meméia era a pequena Amélia quando chegou das cidades mais remotas que se podia ouvir dizer uma caravana de ciganos. Estava no quintal da antiga casa em que viveu a sua meninice no momento em que o badalar dos sinos, as cantorias e o barulho das portas das casas se abrindo tomaram conta da pequena cidade. Correu para rua e se deparou com a festa dos ciganos que traziam consigo novidades e apetrechos dos mais exóticos e curiosos. Os vizinhos comentavam a grande visita. Uns estavam ansiosos por conhecer todo aquele mundo trazido de outros mundos. Outros maldiziam aquela gente; os chamavam de pagãos, charlatões e folgados. O importante é que a pequena cidade viveu por alguns dias uma grande festa trazida pela alegria daquela gente. Espalharam as lendas de seu povo: a do terror dos lobisomens, que faziam suas vítimas nas ruas da Romênia; a do povo que vivia nas profundezas da terra e que, por fim, conheceu a luz; a da cigana Esmeralda...<br />
<br />
Ergueram, no perímetro da praça central da cidade, uma esplendorosa feira, dessas que não existem mais. Estava linda, muitíssimo colorida com tendas e barraquinhas ricamente adornadas de pedras preciosas e bordados brilhantes. No centro montaram um grande palco onde ocorreram apresentações e exibições memoráveis. Fora frequentada por todo tipo de gente, principalmente por viajantes que vieram das cidades ao redor para conhecerem os ciganos.<br />
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Numa tenda, em meio a feira, Amélia procurava pelos objetos que permeavam a sua imaginação, os quais recordava dos livros de contos de fadas e dos ludibrios contados por sua mãe ao pé de sua caminha. Imaginava que encontraria tais relíquias com os surreais nômades, pois tudo lhe parecia misterioso, místico e encantado. Dentre todas as estórias de sua infância, gostava mais daquelas sobre as maravilhas árabes e, por isso, procurava algo em especial. Fora a feira com o intuito de achar, principalmente, uma lâmpada mágica! Como aquela da estória do Aladim. Lembrava-se daquelas páginas inimagináveis e no que fazer com três incríveis desejos a serem realizados. Procurara por várias tendas. Vira máquinas impressionantes, cuja função sequer podia entender, engenhocas dos mais diversos tipos para as praticidades do quotidiano; vira a tenda do homem engolidor de espadas, dos mágicos ilusionistas e vira, também, os intrigantes espetáculos de adivinhações. Não encontrara a sua lâmpada maravilhosa. Não obstante, seria nessa tenda que encontraria algo de importância semelhante.<br />
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De um canto escuro um velho cigano a chamou pelo nome. Era encurvado, com roupa excentrica e gravidade na fala. Amélia se assustou com a voz rouca e a clarividência do homem.<br />
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- Não encontrará nenhuma lâmpada mágica. Já deixaram de ser produzidas há algumas eras. Os gênios arquitetaram uma grande rebelião e fugiram para os mundos em que a magia é livre.<br />
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- Como sabia que eu queria uma lâmpada?<br />
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- Eu sou cigano, se esqueceu? Nós temos o dom da vidência. Nos foi dado em troca de nossa terra. Viajamos e não podemos criar raízes. E essa é a nossa sina e nossa alegria - sorriu o velho que já não parecia mais tão assustador.<br />
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- E você já conheceu um gênio?<br />
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- Mais do que isso. Já tive uma lâmpada mágica!<br />
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- E quais foram os seus pedidos? - Perguntou Amélia com as mãozinhas na boca e as pernas inquietas.<br />
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- Olhe, eu nem me lembro. Faz tanto tempo que a minha memória me trai. Devo ter pedido coisas que um tolo como qualquer outro pede. Riquezas, vida eterna... Mas, isso não importa mais. Trouxe um presente para você, pois sabia que a encontraria por aqui. Conheço-a de muito antes do seu nascimento nessa era.<br />
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O velho tirou um pêndulo de cristal de seu bolso e colocou entre os dedinhos da jovem Meméia.<br />
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- O que é isso?<br />
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- É um pêndulo mágico.<br />
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- Mas, o que ele faz?<br />
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- Isso já é outra coisa. Como eu disse, sou velho e minha memória não é mais a mesma. Só me lembro que o trouxe e que o deveria lhe entregar. Mas o motivo... o motivo... desse tão pouco me recordo. Mas o guarde com carinho, porque um pêndulo mágico não é qualquer coisa. Magia é algo tão raro em nosso mundo. São poucos corações que são capazes de utilizá-la. Isso! - exclamou o velho em um pulinho - essa é a razão de eu lho dar.<br />
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- Como assim?<br />
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- Não me pressione, agora eu preciso partir. Vá e se lembre que esse foi um presente do velho Melquíades.<br />
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No alvorecer não havia mais adivinhos, ilusionistas e comerciantes fantásticos na cidade. Sobraram apenas os vestígios e a saudade daquelas pessoas.<br />
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Eder de A. BenevidesUnknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-9316720168834045152012-05-03T11:39:00.000-07:002012-05-08T07:24:13.220-07:00A Bomba do Amor - Parte 1Gente, resolvi escrever um conto um pouquinho mais comprido, no estilo de uma novela. Tive essa idéia de como seria construir uma bomba do amor, de como isso seria interessante e comecei a desenvolver um texto. Não o terminei, vou escrever por partes mesmo e prevejo, no máximo, umas 5 partes. Um bom jeito de me manter por aqui e voltar à velha forma. Optei por uma prosa bem infantil mesmo, até porque infância é uma de minhas temáticas preferidas e nunca escrevi prosas nesse estilo, apenas poesias. Enfim, espero que gostem. Se não gostarem, valeu a experiência.<br />
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<b>A Bomba do Amor.</b><br />
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Lucas tivera uma grande idéia, queria construir uma máquina do amor. Entretanto, não tinha nenhuma pista de por onde começar. Acabara de ler O Pequeno Príncipe que a sua avó lhe dera de presente de aniversário, e chegou a conclusão de que o único remédio para o mundo era a construção de uma máquina com o poder de extinguir a tristeza da vida. Refletiu a tarde inteira, pegou folhas de papel, as canetinhas e começou a esboçar o incrível dispositivo. Seria como uma bomba, um poderoso explosivo cujo raio de eficácia atingiria até os cantos mais escuros da realidade. Sempre fora seu sonho ser um cientista desses bem inteligentes com a capacidade de influenciar gerações, mas, no momento, suas ferramentas máximas eram as canetinhas.<br />
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Queria ligar para os amiguinhos, mas eles ririam dele, pois tinha consciência de que a idéia poderia parecer tola. Será que poderia contar com a ajuda de alguém? Mas de quem? Lembrou-se da Vó Meméia e logo pegou a bicicleta e rumou para sua casa. Só a avó o entenderia, sabia que poderia contar com ela. Chegou no portão "Vó! Vó! Vó!" e logo foi entrando. Colocou a bicicleta de baixo da larangeira do jardim e correu para cozinha de onde vinha um incrível cheiro de chocolate. Lá estava a alegre velhinha, com as mãos na colher de pau, escorrendo a calda de chocolate sobre um bonito bolo de cenoura.<br />
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- Vó! Eu preciso de sua ajuda!<br />
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- Lucas, primeiro me faça um favor, vá na despensa e pegue o saco de nozes para mim.<br />
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Pegou o saco e o levou para a experiente confeiteira, que o abriu e jogou as nozes sobre a cobertura do bolo. Lucas correu, e, sem nem mesmo ser requisitado, pegou os pratinhos e as colherzinhas de sobremesa. Vó Meméia cortou dois grandes pedaços, uma para ele e outro para ela.<br />
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- Vó, eu quero construir uma máquina do amor!<br />
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- E como você pensa em fazer tal façanha?<br />
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- Eu não sei! Por isso eu preciso de sua ajuda. Só você pode me ajudar.<br />
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- Por que você não faz uma máquina de chocolate? Todo mundo ama chocolate.<br />
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- Vó! É sério! Eu quero construir uma máquina que faça as pessoas serem boas e felizes.<br />
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A avó compreendera o querer de Lucas. Os dias não estavam fáceis. Alguns meses já se passaram desde que o pai deixara ele e a mãe, sua filha Luiza. Os dias passavam e Luiza não deixava o quarto e a cama. A tristeza de Lucas tornava-se cada dia maior com toda a situação presente.A sucetibilidade da infância tem a vantágem de se transformar em esperança, diferente do pessimismo da maturidade. Meméia colocou as mãos no queixo reflexiva "uhm, uhm, uhm...".<br />
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- Mas como você quer que essa máquina seja?<br />
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- Como uma bomba!<br />
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- E você sabe como uma bomba funciona, Lucas?<br />
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- Não.<br />
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Foi o "não" mais decepcionado já dito por ele. Não tinha idéia de como uma bomba funcionava. Como dessa forma poderia construir um explosivo da espécie que ele queria? Depois de segundos de perplexidade, de súbito, sorriu. Viu na expressão da avó que alí vinha uma resposta. Ela o contaria como construir a sua grande ivenção, pois era, além de tudo, sua heroína. Vó Meméia sempre tinha resposta para todas as suas dúvidas. Desde bem novinho escutava as estórias que ela o contava, da sua juventude como inventora. Trabalhara em um laboratório secreto de onde sairam os aviões supersônicos, os robôs que se disfarçam de gente porque queriam ser humanos, as naves espaciais e as máquinas do tempo. Uma bomba do amor seria moleza para ela!<br />
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- Olha, as bombas de verdade são muito diferentes da bomba que você quer construir. Uma bomba explode por causa da nitroglicerina que existe dentro dela.<br />
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- O que é nitroglicerina?<br />
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- É uma substância super perigosa, que causa uma grande explosão. A nitroglicerina é tão perigosa que qualquer impactozinho pode fazê-la colocar tudo para os ares.<br />
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- Mas vó, não dá para construir a bomba que eu quero desse jeito, não é?<br />
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- Claro que não! Nós temos que achar uma substância tão perigosa quanto, mas que, em vez de destruir, espalhe o bem. Mas tem um porém, essa substância é muito particular, ela vem do fundo do coração das pessoas. E só pode ser extraída do próprio sentimento.<br />
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- Como assim?<br />
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- Oras, como a água vem da fonte, o amor vem do coração, no caso, a nitroglicerina do amor. Espere um minutinho.<br />
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Meméia foi até o quarto, abriu a gaveta de sua cômoda e de lá tirou um objeto. Levantou-o e o fitou por alguns segundos. Aquilo parecia ter importância em sua longa vida. Não fora ontem que sonhara pela primeira vez. Era criança igual o neto quando fez de seus sonhos o caminho de toda sua existência. Sonhar é um júbilo inigualável e sempre julgou traição agir em contraste com os seus ímpetos oníricos. Lucas era um menino sensível igual a menina que já fora. É assim que homens e mulheres se tornam diferenciais nesse mundo, através do não desperdício de suas sensíveis peculiaridades. Lucas construiria a sua bomba do amor.Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-55484733220849605372012-05-01T13:58:00.000-07:002012-05-01T14:43:59.756-07:00Peso.As brumas se arrastavam sobre a pele das águas do rio <i>Saint Laurent</i> quando Guilherme apagou o cigarro no banco em que sentava. Pecara e a salmora que escorria de seu espírito lesado não cessava de verter. Pudera ele compreender que o seu ato não fora em nome de sua paixão doente. A guerra declarada em seu âmago resultara na queda de sua Troia, e o falso cavalo era, na verdade, um coração dissimulado. Seu ato fora reflexo de sua própria psicose. Levantou-se, ergueu os olhos e mirou aquele céu cinza que prenunciava o império do frio. Virou-se e seguiu em direção contrária do <i>Vieux Porte</i>. Suas mão estavam geladas dentro dos bolsos de seu blazer cinza de lã fria. Expirava a cada passo que dava; Perna direita,vapor, perna esquerda, vapor. Ouvia sua respiração com o mesmo pesar de ouvir um longo sermão. Era, afinal, tão jovem "como pude? como pude?- indagava-se desesperançoso. As ruas do centro histórico de Montreal estavam vazias, fazia frio e os poucos transeuntes apertavam o passo para logo chegarem aos seus destinos. A solidão daquele dia contaminara até os esquilos e pombos, agora ausentes. Sobre o chão da <i>Place Jacques Cartier</i> se lembrou dos arranjos floridos que a adornavam na primavera, das centenas de turistas e do charme de Louise que o puxava para assistir aos artistas de rua que alí apresentavam a sua humanidade. Louise fora tão doce nesse tempo, o seu sorriso mostrava-se perene e real. A realidade também pode ser abstrata e fugaz. Mirou o <i>Montreal City Hall</i> e estremeceu, lá, bem em frente, estava Loise, o observando inexpressiva.<br />
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"Louise, meu amor foi mordaz como foi a sua indiferença por mim!"<br />
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Tentou gritar, mas a voz trancara-se em sua garganta. Pegou a <i>St. Paul</i> e correu para longe. Desesperou-se, ficara louco. Os seus olhos o enganavam? Não podia ser Louise, não queria que fosse Louise. Enveredou-se pelas estreitas ruas que cruzavam o seu caminho e fez de sua alma um labirinto de fuga. Para onde iria? Não sabia. Não havia para onde ir. Com o coração acelerado sentia que a energia deixava as pernas e o ar os pulmões. Parou, apoiou-se sobre os joelhos para pegar ar e viu o chão desfocado. Tirou outro cigarro do bolso, ergueu-se e acendeu o esqueiro. Por detrás da chama a silhueta funesta se materializou. Agora, em sua frente ela estava. Percebeu que fugir era inútil. Livrou-se do Malboro, deu alguns passos até que ficassem face a face.Olhou em seus olhos e nada disse. Inexpressiva, continuava inexpressiva. A voz ainda não o obedecia. Ficou ali, por longos segundos até que viessem os soluços e o profundo desespero. Tocou a inexpressão daquele rosto, passou as mãos para os ombros e os apertou com força como se quisesse prendê-la a ele. Caiu de quatro, o gosto das lágrimas era amargo como a fatalidade do destino. Procurava os sapatos para se agarrar as suas pernas e então percebeu que ela sumira. O deixara os degraus da <i>Notre Dame </i>. Deveria se livrar daquela dor, expurgar os pecados, o pecado, e até mesmo o pecado original. Adentrou. O templo era hostil para sua alma, o altar o remetia à melancolia extrema da própria morte. Entrara na corte dos desamparados, e, alí, seria julgado pelos seus crimes. O juiz, Deus? Existiria um Deus julgador? Será que era digno do julgamento de Deus? Não deveria estar alí blasfemando um território divino. Sempre fora cético, e agora? Agora estava perdido, sem chão e sem concepções. Era o próprio Atlas, e o seu mundo era deveras pesado para que tivesse quaisquer certezas. Loise, no altar, era a sua Maria Madalena não salva, condenada pelo seu ódio.<br />
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- Quando vi em seus olhos o abandono não pude mais lidar com o mundo. Agora me massacra com essa indiferença infernal.<br />
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Louise desceu ao último banco, aproximou-se de Guilherme, pegou suas mão e as encostou em seu colo. Guilerme entendeu tudo. Suas mãos foram guiadas com ternura até o bolso interno de seu blazer.<br />
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- Então é isso que espera de mim.<br />
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Um revolver calibre 36 prateado cintilou nos fundos da nave. Com resto de consternação passou por Louise e cruzou o corredor entre as cadeiras para que ficasse frente a frente com a imagem do Inri crucificado. Louise o abraçou por trás. O pretérito- e efêmero - sorriso perene era mais importante agora. Soube que o seu amor não foi mais forte do que a traição, a indiferença, o desterro, mas que, agora, deveria enfrentá-lo. Absorto na incipiente tranquilidade de sua alma, colocou o cano no temporal e rezou, depois de muitos anos, o Pai Nosso.<br />
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Eder de A. BenevidesUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-31568607697143879922012-03-24T15:56:00.000-07:002012-03-24T15:57:12.923-07:00MontrealMontreal<br /><br />Foi a neve mais bonita que já vi. Os flocos dançavam e rodopiavam entre a iluminação dos postes, cintilavam como poeira mágica e caíam serenos no chão alvo e gelado da René Levesque. Esperava no ponto o ônibus para o aeroporto. Foi naquela madrugada que retornei ao Brasil e deixei aquele mundo tão diferente que era Montreal. Era inverno e meus dias estavam escuros e tediosos naquela cidade. Parecia que toda a melancolia acumulada durante o ano se manifestava de forma opressora naquela estação. Alguns sinais de alegria rompiam o breu e a indiferença desses tempos frios: o balé delicado do gelo é um exemplo agradável.<br /><br />O Brasil é maravilhoso com todo o seu sol e esplendor. Clamava pela beleza e magia tupiniquim sem reparar na beleza implícida que existe em qualquer outro lugar habitado. O norte gelado também tem o seu brilho , a sua poesia. E como todo bom poema, Montreal me deixou sua marca. Imprimiu no meu cerne a capacidade de ver a mínima reverberação até no escuro do inverno. O povo quebecois ( como são chamados os habitantes da província de Quebec) é de uma gentileza e educação adimiráveis. São em raros lugares que é possível entrar em um ônibus e se deparar com um motorista que dá bom dia para todos os passageiros. Respeitam filas, respeitam as diferenças e, apesar de individualistas, são generosos com quem necessita de ajuda. Penso, que no fundo, me identifico um pouco com os quebecois. <br /><br />Sempre me considerei muito brasileiro - e ainda me considero, entretanto, acho que a essência dos lugares por onde passamos se anexa a nossos âmagos. Às vezes me sinto um tanto quebecois por essas terras tupiniquins, mas não é às vezes, acho que me tornei um pouco como eles, afinal. Trouxe um pouco da auto-suficiência, da franqueza e da melancolia daquelas pessoas. Não digo melancolia como algo degradante, mas como algo importante da essência humana. Temos que conviver com a melancolia para dar valor à felicidade, para conhecer aquilo que realmente nos faz bem e nos traz paz e serenidade. Ando sem paciência para as leviandades e palavras vazias, que nós, brasileiros, nos servimos excessivamente. Ando farto daqueles que furam fila sem qualquer sinal de respeito pelo outro, das notícias de corrupção no congresso nacional, do jeitinho brasileiro... E pior, ando farto daqueles que não honram as suas declarações e seus sentimentos. O número desses me supreendeu.<br /><br />Não obstante, estou feliz por voltar ao país dos sorrisos gratuitos, da pessoalidade e do calor humano. Estou feliz por voltar a ver meus sinceros amigos, a minha linda Vitória e toda a carga histórica que ela possui para mim. Estou feliz de voltar ao meu curso que, apesar de pesado e tão sério, é o que puxa os meus pés para o chão e me vai garantir o sustento futuro. E a verdade é que eu nunca esquecerei aquela última neve, que me remete a tantas lembranças, pessoas e acontecimentos. Montréal, jamais je ne t'oublierai.<br /><br />Eder de A. BenevidesUnknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8824962594164026122.post-31176245799107406702012-02-21T06:49:00.006-08:002012-02-22T03:38:00.055-08:00“As tu déjà aimé?”<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRHNPi2Ykqtak7uXPuinSw-4w9B5QDTIJaQaYILbe7z4ciYBVWG2WN6jFCT2Fe5Rh6ymYssM9NSD0hiHgQVqU5lvvLpCbGOCLqD7SC8v0jGaoVrO9chGKcT-9b322dYf811465ybs7ISc/s1600/amor+blog.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 301px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRHNPi2Ykqtak7uXPuinSw-4w9B5QDTIJaQaYILbe7z4ciYBVWG2WN6jFCT2Fe5Rh6ymYssM9NSD0hiHgQVqU5lvvLpCbGOCLqD7SC8v0jGaoVrO9chGKcT-9b322dYf811465ybs7ISc/s320/amor+blog.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5711602336124399250" /></a><br />Existe algo de inquieto<br />De discreto burburinho.<br />Algo de gostoso<br />Que te acomete de fininho.<br />Tem-se vontade de amar<br />Sem amante <br />Simplesmente perante <br />A conjugação do verbo.<br />Quer-se exercitar<br />Achar num vasto radar<br />Alguém de coração sabido<br />Que exercite a gramática<br />E domine,<br />Com feliz dificuldade,<br />A sintática do amor.<br />Alguém que se embriague<br />E viva pleno o torpor;<br />Ébrio pela ebriedade,<br />Amante por ser livre e<br />Completo em sua verdade.<br /><br /><br />Se há no mundo cidade<br />Onde amem por esporte;<br />Quero saber se lá há remédio<br />Para manter o coração forte.<br />Porque o meu é aventureiro,<br />Assaz faceiro,<br />Mas ainda fraquinho,<br />Carente de atenção,<br />E não consegue sozinho<br />Dominar a bonita arte<br />Dessa difícil conjugação.<br /><br />Eder de A. BenevidesUnknownnoreply@blogger.com1