quinta-feira, 26 de maio de 2011

Todas as estradas levam a Roma


Poema para aqueles que procuram as estradas para o próprio império.


“Todas as estradas levam a Roma”


“Todas as estradas levam a Roma”
Qual império aguarda os teus pés?
Quem de fato tu és?
Com esses sapatos desajeitados em lama?

És andarilho de duvidosas pradarias
Caminheiro em crepúsculos incertos
Queres conhecer um mundo encoberto
Sem mesmo saberes o que nele farias.

És, todavia, ingênuo
Com os atos assaz amenos.
Não sabes o que é preciso
Para teceres o teu destino com garra;
[Com o afinco que se aprende na marra]

Indago-me desses caminhos assíduo.
Quando toco a relva falsa do meu âmago
Sei querer ser aquele tipo de indivíduo
Para cujas vertigens possui forte estômago.

Minhas pernas são deveras desajeitadas.
Sobem e descem oblíquas escadas
Que, sobrepostas, são paradoxos,
Objetivos disléxicos,
Ímpetos desconexos.

Aos tropeços caminho constante.
Cruzo os vales soturnos da insegurança
Onde, com escassez, se encontra perseverança,
Lembrança de sempre haver um “não obstante”.


Eder de A. Benevides

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Verbo

Demorei para postar esse poeminha. Posto agora porque, como se trata de um blog "Eder Benevides", o acho um componente essencial de minha definição. Aproveito para apresentar o novo visual do blog, que foi elaborado pelo querido Juan Filipe Stacul e apresenta, ao canto da tela, um retrato meu desenhado por meu queridíssimo amigo Eder Sallez!



Verbo


Sou bastante temperamental.

Não me pressione em dias nublados.

Tenho remorso de meus desejos exilados,

Esquecidos em meio ao vendaval.


Minhas lágrimas são evasivas.

Salgadas como o próprio oceano.

Inconstantes como um errante cigano

Que se recorda das vidas vividas.


Tenho um âmago em constante ressaca.

Meu humor é o mar em tormenta.

Praia de maré deveras violenta

Com água turva e areia sem marca.


Sou artesão.

Vontade peregrina.

Querer em vão.


Sou amante.

Alma surpreendida.

Caçador dum instante.


Sou escritor.

Pródigo das letras

Que rabisca por amor.


Minhas mãos já não possuem tato.

Apenas aquele ímpeto compulsório

De escrever conteúdo inexato,

De transmitir aquilo que não é notório.


Eder de A. Benevides

domingo, 15 de maio de 2011

O olhar e o amor.

Alessandro soube que se apaixonaria por aquele olhar disperso quando os seus devaneios se cruzassem novamente. A sensação de ter deslocado o seu âmago para o território fronteiriço do âmago dela foi de liberdade e mistério. Devaneava quando a sua pupila cruzou com a iris hermética de Bianca. Em uma situação normal aquele encontro seria insignificante, entretanto, algo magnético segurou os olhos dele nos do dela. Ele, sagitariano, encontrou os olhos de uma pisciana e enxergou, num horizonte remoto, a imagem indefinida de uma terra nunca por ele visitada.

Encontrou-a mais vezes e se perdeu no mundo de seu olhar. Até quando falavam de besteiras e riam de si mesmos aqueles olhos claros pareciam dizer algo de secreto. Contavam os segredos de seu âmago alienígena, porém Alessandro não era capaz de compreender aquela língua. Para ele a existência de Bianca era surreal. Não poderia existir alguém tão próxima dele e tão distante de sua cognição. Seus olhos soavam como obras de Salvador Dali; Como elefantes gigantes que carregam grandes obeliscos sobre as suas costas.

Meses passaram e a sua incompreenção cresceu. Ela era hermética e inatingível e ele apaixonado e perplexo.

O passado de Bianca era uma incógnita. Quando ele a perguntava, ela apenas falava que viera de uma cidade do sul de Minas e que se mudou para desenvolver a sua carreira em uma cidade grande. Não falava dos homens de seu passado e, quando era interrogada, falava que se contasse deles para pessoas de seu futuro estaria falando de aspectos que hoje dizem dela mesma.

Será que quando ela disse "pessoas de meu futuro" ela pretendia dizer dele? Ele seria o futuro dela? Indagava-se disso todos os dias e, por profunda insegurança, nunca conseguia fazer a ela a mesma pergunta.

Bianca transbordava para além dos olhos. As suas atitudes eram paradoxais e descompassadas. Havia dias em que tocava com os lábios a face de Alessandro com a sutileza de quem pretendia poupar a pele para excitar o espírito. Em outros dias, afastava o seu corpo do dele como se aqueles corpos nunca tivessem se pertencido e nunca pudessem ter o direito de se pertencer. Com o tempo o seu jeito se tornou ainda mais esquivo e bipolar. O seu amor era incerto. Enquanto Alessandro lutava por sua paixão ela parecia cair no desamparo da dúvida. Amava oblíquo? Da mesma forma que os seus olhos amavam a projeção do ininteligível? Não havia como compreender o seu amor, ele era enigmático por essência. Bianca não poderia amar de forma igual. O seu amor só poderia existir na condição de talvez nunca haver existido.

Alessandro padecia da incerteza. Estava apaixonado de uma forma que nem o amor burguês poderia descrever. Apaixonara-se pelos olhos, pela pele, pela boca, pela voz, pelo jeito qual fumava, pelo hálito de suas esquivas, pelo mistério... O conjunto que sustentava a sua paixão emaranhou-se e se tornou impossível de desemaranhar. Bianca era um universo no qual se perdera. Respirava Bianca, sonhava Bianca, pensava Bianca e, amiúde, percebeu que perdê-la era inevitável. Desesperou-se com essa conclusão. Mas, afinal, por que a tivera? Não sabia. Somente sabia que a perderia cedo ou tarde.

Encontraram-se no apartamento dela.

- Bianca, por que não se apaixonou por mim?

- Não sei.

- Então por que continua comigo? Por que não me manda embora e troca a fechadura de seu apartamento para que eu não entre de súbito numa noite de desespero e loucura?

- Por que eu não entendo o que sinto por você.

- É capaz de me amar?

- Já te amei várias vezes, como também já te repudiei outras tantas. Há dias em que espero que você entre por essa porta para que eu possa o sentir dentro de meu corpo; Para que o seu amor tenha compaixão do meu amor paralítico e me torne...

- E te torne?

- Você tem razão. Vá embora e nunca mais volte.

- Mas eu não posso te deixar. Eu sou completamente dependente de ti. Eu preciso saber o que há por detrás de seus olhos; O porquê que você tem tanto a dizer mas permanece silenciosa como se suas pupilas gritassem por si só.

- Aqui não há segredos para você. Não há esquina de minha alma que possa o fazer sofrer menos.

- Eu vou, mas, antes de ir, gostaria de fazer amor contigo de luzes acesas e com os olhos bem abertos. Quero suas lágrimas de orgasmo pela última vez. Quero saber se ainda me mandará embora depois de sentir todo o meu amor.

- Não é o meu desprezo quem te manda embora. É o meu amor, incapaz de receber o seu ou qualquer outro.

- Tire a roupa.

- Vá embora.

- Tire a roupa ou eu me jogo de sua varanda.

- A sua vida não vale o meu corpo.

- Não, não vale. Mas agora eu te odeio e não me importaria acabar com a minha vida se isso acabasse com a sua. Se o meu amor não é capaz de te prender, talvez o meu ódio o seja.

- Está certo, desde que você vá embora logo depois que terminar. Depois, em outro dia, conversaremos.

Transou sem nenhum prazer. Alessandro pôde sentir apenas as pulsações animais do ato. Ele viu, pela primeira vez, aqueles olhos vazios, sem segredos e mistérios. Sabia que depois daquela noite nunca mais a teria. Soube que cometeu um erro fatal. O amor de Bianca não poderia ser cobrado. Nunca. Esse amor era calcado na insegurança do que se sentia e, de forma alguma, deveria ter sido colocado em cheque. Bianca amava por meio de uma ponte antiga e frágil, onde apenas do outro lado ela se sentia segura para amar Alessandro. Ele cruzou a ponte, que arrebentou e o arremessou no abismo. Ela não precisou trocar as fechaduras. Quando ele voltou, dois dias depois, o apartamento estava vazio.


Eder de A. Benevides

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Partitura

Um dia, numa prosa com uma amiga, entendi que a amizade é uma partitura aparentemente descompassada. A melodia vem do cerne, porém o compasso, o ritmo, vem da vida. Entendi que as pausas são ordenadas de forma que os acordes mais belos se prolonguem e dêem espaço ao longo silêncio da ausência. Que a ausência não é o fim, e que mesmo o fim não se encontra na ausência.

Pessoas especiais passaram por minha vida, ficaram, fizeram moradia no meu peito e partiram com a promessa de retorno. Tocaram os seus instrumentos mais íntimos, as suas melodias mais bonitas; assinaram notas em minha partitura e deixaram uma grande pausa de semibreve. Quando confrontei a ausência pela primeira vez, meu coração parou com o sinal do maestro. Tornou-se lúgubre, como Gloucester a beira das trevas de seu precipício, e atirou-se ás ondas da solidão.

Os dias nos ensinam a superar as ausências, a perceber que a última nota fica suspensa em nossa memória e que, no próximo encontro, saberemos como inserir as próximas mínimas e colcheias. Acontece que as vindouras melodias podem não vir com o mesmo vigor das antigas. Sabe, o tempo pode ser irremediável e a vida atroz. Pode acontecer de cairmos no esquecimento e nos tornarmos bruma no peito de amigos de outrora. Pode a corda de um violoncelo romper e nunca emitir aquele timbre novamente. Nunca se sabe, cada um guia o seu destino da forma que deseja. Mas pode acontecer, também, da pausa intensificar a última nota no âmago de quem lembra e tornar os próximos acordes mais intensos do que nunca. Aqueles que amamos de alma dificilmente se tornam bruma, permanecem indefinidamente em nossos peitos.

Existem amizades que podem ser regidas a distância; Que a simples ciência da existência do outro dá continuidade a sua partitura. Que não importa se um está no Brasil e o outro na Argentina, a sonata não pode parar. São um tipo raríssimo, que ocorrem pouquíssimas vezes em nossas vidas. São almas que reconhecem uma a outra pelo simples vento do destino; que anseiam pela existência simultânea e isso basta. Há amizades que existem para serem regidas juntas e, sempre que se encontram ou desencontram, inspiram Chopins e Beethovens.

Num concerto, há também, aqueles instrumentos que entram uma única vez. Que executam os seus solos e se vão para sempre, mas que nem por isso perdem o seu lirismo. São efêmeros e intensos da mesma forma que é uma estrela cadente no céu noturno. Não são brumas pois não são esquecidos. Executam a sua música de forma indelével.

Após a epifania o meu coração deixou de ser lúgubre, todavia beira perene a linha da alegria e da melancolia, como que se cada nota fosse uma insígnia nostálgica. Viver vale a pena pelas pessoas que passam por nós. Essa nossa partitura se caracteriza por seu infinito rodísio, pelas idas e vindas de intrumentos que tocam alto em nossos corações. Quando a partitura chega em seu fim, ela, de súbito, vira arte e se executa por si só.


Eder de A. Benevides

domingo, 1 de maio de 2011

Onírico


Sonhei com muita freqüência nas ultimas semanas. Meu leito se tornou uma verdadeira incubadora criativa. Sonhei com a edificação de vontades antigas que, hoje, já não fazem sentido. Sonhei com sinfônicas fantasias que terminavam com a desafinação dum cravo estraga-prazeres: o sol da manhã. Sonhei com os “any” sonhos e desejos que cultivo quando estou desperto. Sonhei, e, atordoado pelo fluxo abundante de sonhos, dei corda a minha imaginação. Pensei, a priori, nos significados científicos que um sonho pode carregar.

A psicanálise, hoje em dia, explica - ou, pelo menos, se esforça para explicar - quase tudo. Freud dizia que o conteúdo onírico é capaz de revelar desejos íntimos e traumas escondidos; que o sonho é a mais cristalina forma de expressão do subconsciente. Conclui que o meu subconsciente deve ter muito o que dizer, mas ok, disso eu já tinha uma idéia e, além do mais, percebi que não era exatamente sobre isso que queria saber. Percebi que o que me interessava mais era o significado místico dos sonhos. Lembrei de uma cigana que, quando era pequeno, visitava com frequência a casa de uma tia. Falava sobre destino, fortuna, linhas na mão, torot e, por fim, sonhos. Como eu ficava seduzido por aquele assunto! Passava a tarde sentado em meio ao tapete amarelo da sala a ouvir aquelas estórias e verdades que desvendavam e alimentavam todos os mistérios que uma criança de oito anos podia se interessar. Falava que sonhar com a visita de cavalos brancos era morte de um ente querido, e, por isso, passei a dormir com os olhos apertados na expectativa de nunca sonhar com cavalos que, por um acaso do destino, viessem em sua alvura buscar a alvura da alma de alguém que eu amasse. Falava também que sonhar com bosta significava dinheiro, e, então, ia eu dormir ansioso por um sonho farto de excretas. Enfim, buscava em cada noite desvendar por mim mesmo aqueles significados ciganos.

Na busca por minhas curiosidades, procurei, na internet, por crenças, misticismos, sonhos e seus significados e, é claro, que encontrei muitas coisas contraditórias e diversos significados diferentes para o que venho sonhando, além de nada possuir a profundidade da qual procurava. Me frustrei com o fracasso de minhas pesquisas e, com a frustração, preferi manter o néctar das idéias formadas na infância e parei, por alí, com aquele início de obsessão. Até que, semana passada, em outra casa, porém a casa daquela mesma tia, resurgiu o assunto de sonhos. A minha tia é espírita ao modo dela e, em sua crença, ela mistura concepções das mais diversas sem o menor prejuízo de sua fé. Conversar com ela é como se esquecer de todos os academicismos, cientificismos e ceticismos que nos acompanham. Por aqueles momentos de prosa incorporei toda a sorte de superstições e me deixei levar pelo o fascínio de suas verdades. Veio ela me dizer que sonhar é entrar em contato com os outros planos da realidade que a nossa alma tem acesso. Às vezes, quando sonhamos, não estamos apenas imaginando, mas estamos de fato em contato com outros mundos. “Mas tia, como distinguimos a imaginação disso que você falou?”. "Na verdade nós, espíritos de ainda-pouca-luz, não podemos distinguir isso, mas, a medida que evoluímos e entramos em maior contato com a nossa espiritualidade, o nosso poder de distinção e até de controle aumenta."

Caí num devaneio profundo sobre a possibilidade de, ao dormir, viajar por outras vidas, mundos, planos e dimensões. A possibilidade de um amor que não deu certo por aqui ter sido bem sucedido em outra realidade. De ser físico, médico ou esportista em outras versões de mim. Ou, então, de conhecer pessoas célebres ou de ser célebre eu mesmo. Tudo isso me fascinou e eu não parei de pensar desde então. Assim, como quando criança, me pus a dormir, de olhos bem apertados, a espera de viver essas outras vidas, pouco me importando se são ou não meras ilusões. Quis viver tudo aquilo que não sou capaz de viver em minha limitada realidade. Descobri que sonhar é um júbilo especial do qual nunca havia dado atenção, e que acordar é a mais decepcionte das sensações. Entendi que o sonho é a subversão virtual do fardo, que ilude até desiludir com a tomada da consciência. A dicotomia do sonho angustia, todavia é o preço para vivermos as nossas fantasias mais impossíveis.


Eder de A. Benevides