terça-feira, 30 de março de 2010

Carente


Tenho mais carências do que tristezas.
Penso sempre no toque daqueles afagos
Proeminentes do belo de suas proezas
Que, irrefutáveis como hão de ser,
Destroem irremediavelmente a minha razão.
(Como hão de ser?)
(Serão?)
Quero o calor de suas afáveis mãos
Sem a banalidade desses carinhos vãos
Que recebemos de prosaicos sorrisos fúteis.
Quero sorrir.
Ir para o universo de seus braços.
(Alegrias inúteis?)
Sorrir.
Na infinitude incerta desse nosso espaço.
(Nosso?)
Não seriam minhas carências que criam,
Com a plenitude de meus devaneios,
Toques tão doces?
(Fragmentação de meus anseios?)
Desfragmento-me
Penso de novo no horizonte de seu calor.
Nas mundanças hipótéticas e desconsoladas
Que o seu corpo causa em meu humor.
Crio um liame entre a verdade e meus desejos.
Demasio iludido a minha vontade
Que de tão carente
Resulta apenas no esvanecimento;
Ébrio fim da realidade.


Eder de A. Benevides

terça-feira, 23 de março de 2010

Ode a poetisa introspectiva: segundo

O seu sonho é escrever uma linda poesia e, com as suas letras, mudar o mundo. Essa mulher é um exemplo de quem vive o seu sonho diariamente. Lembro-me do dia em que a conheci. Foi numa fria sala de cursinho pré-vestibular; olhei para a carteira em que estava sentada e me deparei com aquele afável sorriso de poetisa. Daquele dia em diante sinto como se a minha alma tivesse achado a peça de quebra cabeça que sempre faltou para sua completude. Foi nesse período que a minha escrita estava tomando forma; que as palavras juvenis amiúde tornavam-se maduras. Mostrei-a alguns versos que escrevera e, com o mesmo sorriso afável do primeiro encontro, ela tocou meu espírito e fez minhas letras voarem. Seu nome: Shayene Machado.

Com o tempo pude perceber que Shayene é mais que uma poetisa: é, também, uma humanista de calibre maior. O seu amor pelo ser humano e a sua esperança por um futuro promissor foram fatores que tocaram meu cerne de forma nunca antes feita. Observava-a em seus momentos de fervor em que discursava o valor da vida. Em que falava sim que o Brasil necessita de uma reforma agrária, e que o deleite de uma minoria não pode ser valorizado em detrimento da vida. Não é uma radical, muito pelo contrário, é sensata! Alias poucas pessoas conheci com tamanha sensatez e serenidade. Porque a serenidade, em toda sua doçura, é a grande ferramenta da sabedoria.

Uma vez me mandou um texto de Fábio Konder Comparato, professor de Direitos Humanos na USP, que dizia que dignidade humana vai além de ser feliz e buscar a própria felicidade, que na realidade, a dignidade está, também, no ato de ajudar na busca da felicidade do próximo. Pensem. Se a mentalidade global seguisse esses princípios, o caminho da Utopia estaria exponencialmente mais próximo do que o caminho errante citado por Galeano. É um princípio de solidariedade objetiva, que pela primeira vez na humanidade, com os tratados internacionais de Direitos Humanos, passa a rodear a mentalidade global pouco a pouco. Por mais lento e, às vezes, superficial que seja, é um começo. Seguindo esses princípios a trajetória que Shayene ruma é admirável. Hoje ela luta contra o preconceito racial, luta pela negritude brasileira; continua a lutar por uma sociedade igualitária em que os latifúndios sejam convertidos em frutos para o povo. Luta sempre pelo ser humano. Qual a sua principal arma? O papel e a caneta!

Shayene como eu, depois de muito sufoco, cursa Direito; eu em Viçosa e ela em Vitória. Penso que nós travamos conjuntamente um luta por um mundo melhor. Por mais que a nossa realidade imponha verdadeiros obstáculos para o nosso sucesso, não nos abstemos de lutar. Lutar sempre, sem medo do futuro, porque penso que esse só valerá verdadeiramente à pena se mais um raio de sol, proveniente de nossos esforços, o iluminar. E é bem nesses moldes que a linda poesia de Shayene Machado está sendo forjada, verso por verso; estrofe por estrofe, seguindo esses princípios de humanidade, seguindo os impulsos de seu coração e, por fim, seguindo o rastro de sua caneta, fortemente apertada por suas mãos doloridas que jamais cessarão.


Eder de A. Benevides.

domingo, 21 de março de 2010

Enfim

Ele queria aquele beijo, queria que os seus lábios tocassem o dela finalmente. Olhava-a incessantemente, mas não tinha coragem de colocar a mão em seu rosto e conduzi-la ao derradeiro ato. A sua angústia era análoga a dos melancólicos poetas românticos: tudo não passava de sofridos desejos; as ações ficavam para folha de papel e, algumas vezes, para as noites solitárias e insones em sua triste cama. Já prometera a si mesmo que o tão esperado beijo não passaria daquele encontro, e que as suas fantasias ou se realizariam em toda a plenitude naquela madrugada, ou nunca viriam a se tornar reais.

Foi num barzinho sábado a noite que seus ímpetos internos vieram à tona. Suas vontades e pretensões gritavam por satisfação, assim como seus medos o corroíam as fibras cardíacas. A possibilidade da rejeição o apavorava mais que qualquer pantera que pudesse sair das sombras de seus pesadelos. O seu amor, virgem e latente, o privava de seu ego e natureza masculina. Poderia conquistar qualquer mulher, menos ela. Frente a esse sentimento ele não passava de um tímido garoto.

Sentou-se ao lado dela, respirou fundo e encarou-a com os olhos brilhantes que a vontade o estampara na cara. Conversaram sobre vários assuntos, riram juntos e trocaram alguns olhares. Por um momento olharam-se tão profundamente que o tempo parou. Nenhum dos dois pode respirar, nem sequer escutar toda a algazarra em volta. Ouviam apenas o frenesi que tomava-os o peito. Ele sabia o que estava sentindo, todavia milhares de dúvidas o tomavam quanto à recíproca. O seu ego, tão pisoteado por todo aquele platonismo, não o permitia acreditar plenamente que ela passava pelo mesmo. Pensava que aqueles momentos atemporais faziam parte apenas de seu imaginário, e que jamais o desejo que ele deveras sentia era compartilhado com aquela linda criatura. Idiota! Por isso digo que todo apaixonado é imbecil. Deixam de viver o amor para viver a incerteza e angústia; deixam de chegar às nuvens por medo de avião. Às vezes penso que a paixão é uma irônica e sádica puta.

Por vários momentos arriscou uma investida que não saía de seu imaginário. Às vezes alguns atos se exteriorizavam, porém a hesitação os corrompia antes de chegar à destinatária. Tentou uma ou duas vezes colocar as mãos em seu rosto e massagear seus cabelos, mas sempre aquele medo o levava a hesitar. Por um momento convenceu-se de sua covardia e decidiu desistir, mas foi só olhar para aqueles olhos novamente que aquela tímida e quase inexistente coragem voltava a irradiar em seu coração. Decidiu, então, apelar; Pediu uma dose de tequila e colocou todas as suas esperanças na crença de que seria aquela o seu cálice de coragem e atitude. A bebida chegou e numa golada só ele esvaziou o copo. Sentiu o seu corpo esquentar e seus ímpetos se agitarem em seu âmago. Foi então que a puxou para fora da mesa. Levou-a para um canto do bar. Sua mão enfim chegou àqueles cabelos e, com inefável prazer, ele os massageou como há muito tempo sonhava. Falou baixinho algumas palavras doces no ouvido, afastou-se e a olhou fixamente. Ela, com ternura, colocou as mãos sobre as dele, que estavam em sua cabeça, sorriu e fechou os olhos. Como num filme ele a beijou.


Eder de A. Benevides

sexta-feira, 5 de março de 2010

Metalinguístico

Há um motivo
Deste meu gosto
De com a caneta
Fazer letra
Letra de forma
Letra sem letra
Letra de dentro
Que escapa ao âmago
Para que no papel
Não fique ao léu.
É letra forte
De mãos confusas
Que escrevem sem saber.
Sem terem um norte
Pros sentimentos
Que são tão incertos
Em certos momentos.
É letra torta
Da caligrafia péssima
Daquele que sente mais
Do que suporta
Do que quer
Pois querer é inútil
Quando se trata dum poeta
Que possui como meta
Rabiscar o seu eu
Fazer da caneta
Junto a obliqua mão
Um apêndice;
Uma ponte do coração.


Eder de A. Benevides

terça-feira, 2 de março de 2010

Desabafo da madrugada

Pela primeira vez em três anos me apaixonei. Sou, agora, mais um daqueles pobres homens que, derrubados na sarjeta, insistem em chorar as mágoas de um amor platônico ou duramente frustrado. O pior é que a razão de toda minha lástima simplesmente não faz sentido: caí em desespero por alguém quem não dá a mínima para mim, e que, além disso, sustenta um pilar de frieza e indiferença em relação a minha pessoa. Para se ter idéia, no final do ano que passou, vivi um período de instigante luta no movimento estudantil ao lado dessa pessoa. Acreditei, inocentemente, que havia conquistado determinada intimidade e simpatia dessa esfinge ambulante, porém, para o meu caos interior, me enganei. Conversávamos sentados numa mesa do barzinho do DCE, era o meu último dia de estadia em Viçosa antes do recesso. A felicidade de estar simplesmente ao lado daqueles olhos conversando banalidades do quotidiano era o suficiente para que brilhantes sorrisos pulassem de minha face. Mas o que me apunhalou foi a derradeira despedida: um gelado aperto de mão e um olhar evasivo foi tudo o que recebi.

Passaram-se as férias em Vitória; conheci pessoas incríveis, vivi situações inusitadas e, como há muito tempo almejava, li muitos romances. Meu recesso foi satisfatoriamente aproveitado. As primeiras semanas de pensamentos intensos e nostalgias idealizadas não tardaram a dar lugar a devaneios positivos. Com os seus méritos, os papos em mesas de bar e as orgias frívolas, que só a boemia dos poetas pode oferecer, ajudaram a apagar aquela presença quase indelével de meus pensamentos. Pensei que aquele sentimento estava morto e enterrado. Não lembrava mais daquelas características que me deixavam noites e noites aprisionado na armadilha das madrugadas fantasiosas. Não pensava mais no jeito qual fuma, com as pernas cruzadas e o queixo levemente inclinado para cima. Nem sequer lembrava a forma de falar, andar, olhar... O erro foi pensar que o existente em meu âmago também morrera: o que na realidade ocorreu foi o conveniente afastamento das distrações.

Final de semana passado, depois de três meses sem nenhum tipo de contado, vi a pessoa novamente. Foi um choque, surto e acesso histérico. As reações químicas que ocorriam em meu cérebro deixaram-me assustadoramente desequilibrado; não havia me esquecido, sequer enfraquecido aquele mordaz sentimento. Corri para o lugar mais ermo possível, não queria de forma alguma qualquer tipo de contato. Fiquei isolado em meu frenesi por quase uma hora e, então, voltei ao ambiente social em que estava. Um amigo veio conversar comigo sobre um conto que eu escrevera. Pobre coitado; abri a boca e disparei a falar. O pior foi que eu não falava coisa com coisa; o meu estado ébrio só me permitia comunicar-me da forma mais desconexa possível. Logo o desafortunado deu um jeito de escapar daquele meu momento de loucura e me deixou sozinho na explosão de devaneios e sentimentos que duelavam em meu âmago.

O contato direto com a pessoa foi inevitável, conversamos coisas bestas e sem importância por puro formalismo. Conclui que o pilar boreal ainda está de pé, e, por mais doloroso que seja, o que eu sentia ainda sinto. Talvez haja uma sórdida incompatibilidade aí, e, como é de praxe, eu esteja nutrindo algo inútil e infrutífero. Mas algo, que não consigo identificar, não me permite desistir. Hoje imaginei mil modos de me aproximar e, talvez, alcançar os meus objetivos amorosos. O coração sempre articula modos inexplicáveis para manter os homens na fossa e a sarjeta cheia.





Eder de A. Benevides