quinta-feira, 7 de abril de 2011

Denis Gonçalves

Foi em 25 de março de 2010 que as minhas concepções de mundo/mundos enfrentaram a sua maior prova de fogo. Depois desse dia demorei quase um ano para digerir tudo o que ocorreu ali. Eu estava na ocupação realizada pelo MST na fazenda Fortaleza de Santanna em Goianá, zona da mata mineira. Sentimentos opostos fizeram parte dos estímulos capitados pelos meus sentidos. Foi místico, foi cabal, foi revigorante, foi deteriorante, foi transcendental, foi a flor da pele, foi feliz, foi triste. Eu não soube o que senti após aquilo e não pude lidar com o impacto surtido em mim por muito tempo.

Socialismo ou Capitalismo? Abraçar o sonho rubro e venal ou me manter refugiado no mundinho burguês e confortável em que cresci? Sabe, acho que os acontecimentos daqueles quatro dias de ocupação não convergiram para uma escolha, mas, na verdade, divergiram e se espalharam por uma complexa balança sem respostas imediatas. Do uso – no sentido mais literal- dos moradores sem causa das ruas de Juiz de Fora ao depoimento verdadeiro e empolgado de um assentado do Acampamento Olga Benário; Do papel mal resolvido do movimento estudantil ao discurso emocionado de um pai que perdera o filho no campo. A minha mente se tornou um coliseu para todos aqueles fatores. Houve massa de manobra? Houve. Houve verdade naquilo o que se fazia? De fato havia, porém as irregularidades eram várias. Mas a pergunta que eu hesitei em fazer por muito tempo é primordial: É necessário? A resposta não foi fácil de encontrar/confrontar/aceitar.

Propriedade privada, capital, especulação, produção e lucro são algumas das principais características do modo de produção capitalista. Divagava se era possível a construção de um Estado Democrático de Direito justo, atuante e distribuidor dentro dessa lógica. Tocqueville e John Down afirmavam que sim e neles tentei me apoiar por algum tempo. Todavia, foi com o estudo e uma coisa chamada FATORES REAIS DO PODER, magistralmente explicada por Lassale, aliado a uma análise mais séria de nossa infraestrutura, que fui capaz de aos poucos encontrar uma resposta para a indagação posta. Lassale diz que são os fatores reais de poder que determinam o conteúdo constitucional (constituição imaterial) e a criação de leis em um país. As classes, com as suas porções de poder na sociedade, têm os seus interesses defendidos, assim, de uma forma simplista, é concluído que as classes com as maiores parcelas de poder detêm o maior número de interesses defendidos na sociedade. Pois bem, agora resgate as características supracitadas, logo no início desse parágrafo, e responda: Quem, em nossa “democracia”, detém as maiores parcelas do poder?

Em nossa sociedade é privilegiado quem tem o maior capital. São banqueiros, empresários, investidores e grandes proprietários. As transformações sociais e principalmente as transformações econômicas ocorrem em um espaço limite determinado por esses poderosos capitalistas. O poder de voz do povo – que vota, que gera capital material e imaterial, que sustenta a máquina do Estado – é reduzido e subjugado à voz de quem de fato detém o poder. Logo, as reformas de base, essenciais para a justa distribuição de riquezas e acesso aos recursos indispensáveis para o ser humano, tornam-se demasiado difíceis de serem alcançadas. Essa redução da voz do povo cria uma necessidade iminente de se desenvolver mecanismos para a realização da justiça social. Os direitos conquistados pelos movimentos sociais ao longo das décadas se concretizaram ao custo de duras lutas, e só serão transferidos para o plano material ao custo de outras duras lutas.

Acho que nesse momento a minha indagação já havia encontrado resposta. Aí, além das razões óbvias e irrefutáveis, eu precisava de uma redenção ética e moral. É justificável as ações estratégicas do MST – que às vezes não contam com uma necessidade urgente e iminente – em razão da lapidação da concentração fundiária? É correto utilizar massas de manobra para a realização de seus objetivos? A primeira questão foi deveras mais fácil de responder. Sim, é justificável. O movimento deve se manter atuante e dinâmico para que consiga se impor nessa falsa democracia. A necessidade urgente e iminente é sacrificada em prol da necessidade geral e futura que a causa exige. A segunda pergunta exige um sério exercício de ponderação. Ao contrário do que Maquiavel sustentava, eu não sou adepto da idéia de que os fins justificam os meios. Sou adepto da velha máxima de que “tudo acaba bem quando começa bem”, porém, aqui a realidade se mostra mais complexa. Uma briga desigual exige atitudes questionáveis. Os males da concentração fundiária são assaz piores do que essas atitudes - vistas a priori como imorais - possam se mostrar ser. Situações drásticas exigem medidas drásticas. Como foi difícil chegar a essa conclusão!

Sim, é necessário. Nunca demorei tanto para encontrar uma resposta e, agora, tenho um leque de outras perguntas. Mas é certo que hoje me desintoxiquei da idéia de que o capitalismo tem jeito (tema para outra discussão) e percebi que atitudes, como são as ocupações, são instrumentos necessários para se alcançar uma emancipação social. Não sei que ‘ista” sou, e não quero me apegar a isso por enquanto. Sei que esse modo de produção vigente não combina com ideais de justiça e igualdade. Enfim, estou feliz por ter superado os meus medos e apegos. Vou cair no mundo e buscar as minhas lutas! Porque, como disse Miguel de Cervantes: “Só padece de solidão aquele que se isola das lutas de seu tempo.”

Eder de A. Benevides

Um comentário:

  1. Eder, meu querido amigo, realmente são perguntas difíceis de responder. Eu mesma já tentei refletir a respeito e já mudei de opinião mais de uma vez quanto a este e outros assuntos similares, mas nunca fui tão determinada assim em chegar a uma conclusão e nem tão a fundo nas "investigações", rs. Fico feliz em saber que você o esteja fazendo. Admiro a sua força de vontade e atitude e desejo que nunca as perca, nunca se contente com uma resposta. Continue "inquieto" na busca que assim você continuará crescendo e amadurecendo na reflexão ;) Abraço!

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