domingo, 15 de maio de 2011

O olhar e o amor.

Alessandro soube que se apaixonaria por aquele olhar disperso quando os seus devaneios se cruzassem novamente. A sensação de ter deslocado o seu âmago para o território fronteiriço do âmago dela foi de liberdade e mistério. Devaneava quando a sua pupila cruzou com a iris hermética de Bianca. Em uma situação normal aquele encontro seria insignificante, entretanto, algo magnético segurou os olhos dele nos do dela. Ele, sagitariano, encontrou os olhos de uma pisciana e enxergou, num horizonte remoto, a imagem indefinida de uma terra nunca por ele visitada.

Encontrou-a mais vezes e se perdeu no mundo de seu olhar. Até quando falavam de besteiras e riam de si mesmos aqueles olhos claros pareciam dizer algo de secreto. Contavam os segredos de seu âmago alienígena, porém Alessandro não era capaz de compreender aquela língua. Para ele a existência de Bianca era surreal. Não poderia existir alguém tão próxima dele e tão distante de sua cognição. Seus olhos soavam como obras de Salvador Dali; Como elefantes gigantes que carregam grandes obeliscos sobre as suas costas.

Meses passaram e a sua incompreenção cresceu. Ela era hermética e inatingível e ele apaixonado e perplexo.

O passado de Bianca era uma incógnita. Quando ele a perguntava, ela apenas falava que viera de uma cidade do sul de Minas e que se mudou para desenvolver a sua carreira em uma cidade grande. Não falava dos homens de seu passado e, quando era interrogada, falava que se contasse deles para pessoas de seu futuro estaria falando de aspectos que hoje dizem dela mesma.

Será que quando ela disse "pessoas de meu futuro" ela pretendia dizer dele? Ele seria o futuro dela? Indagava-se disso todos os dias e, por profunda insegurança, nunca conseguia fazer a ela a mesma pergunta.

Bianca transbordava para além dos olhos. As suas atitudes eram paradoxais e descompassadas. Havia dias em que tocava com os lábios a face de Alessandro com a sutileza de quem pretendia poupar a pele para excitar o espírito. Em outros dias, afastava o seu corpo do dele como se aqueles corpos nunca tivessem se pertencido e nunca pudessem ter o direito de se pertencer. Com o tempo o seu jeito se tornou ainda mais esquivo e bipolar. O seu amor era incerto. Enquanto Alessandro lutava por sua paixão ela parecia cair no desamparo da dúvida. Amava oblíquo? Da mesma forma que os seus olhos amavam a projeção do ininteligível? Não havia como compreender o seu amor, ele era enigmático por essência. Bianca não poderia amar de forma igual. O seu amor só poderia existir na condição de talvez nunca haver existido.

Alessandro padecia da incerteza. Estava apaixonado de uma forma que nem o amor burguês poderia descrever. Apaixonara-se pelos olhos, pela pele, pela boca, pela voz, pelo jeito qual fumava, pelo hálito de suas esquivas, pelo mistério... O conjunto que sustentava a sua paixão emaranhou-se e se tornou impossível de desemaranhar. Bianca era um universo no qual se perdera. Respirava Bianca, sonhava Bianca, pensava Bianca e, amiúde, percebeu que perdê-la era inevitável. Desesperou-se com essa conclusão. Mas, afinal, por que a tivera? Não sabia. Somente sabia que a perderia cedo ou tarde.

Encontraram-se no apartamento dela.

- Bianca, por que não se apaixonou por mim?

- Não sei.

- Então por que continua comigo? Por que não me manda embora e troca a fechadura de seu apartamento para que eu não entre de súbito numa noite de desespero e loucura?

- Por que eu não entendo o que sinto por você.

- É capaz de me amar?

- Já te amei várias vezes, como também já te repudiei outras tantas. Há dias em que espero que você entre por essa porta para que eu possa o sentir dentro de meu corpo; Para que o seu amor tenha compaixão do meu amor paralítico e me torne...

- E te torne?

- Você tem razão. Vá embora e nunca mais volte.

- Mas eu não posso te deixar. Eu sou completamente dependente de ti. Eu preciso saber o que há por detrás de seus olhos; O porquê que você tem tanto a dizer mas permanece silenciosa como se suas pupilas gritassem por si só.

- Aqui não há segredos para você. Não há esquina de minha alma que possa o fazer sofrer menos.

- Eu vou, mas, antes de ir, gostaria de fazer amor contigo de luzes acesas e com os olhos bem abertos. Quero suas lágrimas de orgasmo pela última vez. Quero saber se ainda me mandará embora depois de sentir todo o meu amor.

- Não é o meu desprezo quem te manda embora. É o meu amor, incapaz de receber o seu ou qualquer outro.

- Tire a roupa.

- Vá embora.

- Tire a roupa ou eu me jogo de sua varanda.

- A sua vida não vale o meu corpo.

- Não, não vale. Mas agora eu te odeio e não me importaria acabar com a minha vida se isso acabasse com a sua. Se o meu amor não é capaz de te prender, talvez o meu ódio o seja.

- Está certo, desde que você vá embora logo depois que terminar. Depois, em outro dia, conversaremos.

Transou sem nenhum prazer. Alessandro pôde sentir apenas as pulsações animais do ato. Ele viu, pela primeira vez, aqueles olhos vazios, sem segredos e mistérios. Sabia que depois daquela noite nunca mais a teria. Soube que cometeu um erro fatal. O amor de Bianca não poderia ser cobrado. Nunca. Esse amor era calcado na insegurança do que se sentia e, de forma alguma, deveria ter sido colocado em cheque. Bianca amava por meio de uma ponte antiga e frágil, onde apenas do outro lado ela se sentia segura para amar Alessandro. Ele cruzou a ponte, que arrebentou e o arremessou no abismo. Ela não precisou trocar as fechaduras. Quando ele voltou, dois dias depois, o apartamento estava vazio.


Eder de A. Benevides

3 comentários:

  1. Olá,
    Sou Portuguesa e gosto muito de palavras. Consultei o seu blog e dá que pensar. O texto de ontem, 15 de Maio, é profundíssimo.
    Parabéns.
    Abraços com luz.

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  2. Muito obrigado pela visita Luz. Espero tê-la sempre por aqui.
    Um grande Abraço!

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