segunda-feira, 9 de maio de 2011

Partitura

Um dia, numa prosa com uma amiga, entendi que a amizade é uma partitura aparentemente descompassada. A melodia vem do cerne, porém o compasso, o ritmo, vem da vida. Entendi que as pausas são ordenadas de forma que os acordes mais belos se prolonguem e dêem espaço ao longo silêncio da ausência. Que a ausência não é o fim, e que mesmo o fim não se encontra na ausência.

Pessoas especiais passaram por minha vida, ficaram, fizeram moradia no meu peito e partiram com a promessa de retorno. Tocaram os seus instrumentos mais íntimos, as suas melodias mais bonitas; assinaram notas em minha partitura e deixaram uma grande pausa de semibreve. Quando confrontei a ausência pela primeira vez, meu coração parou com o sinal do maestro. Tornou-se lúgubre, como Gloucester a beira das trevas de seu precipício, e atirou-se ás ondas da solidão.

Os dias nos ensinam a superar as ausências, a perceber que a última nota fica suspensa em nossa memória e que, no próximo encontro, saberemos como inserir as próximas mínimas e colcheias. Acontece que as vindouras melodias podem não vir com o mesmo vigor das antigas. Sabe, o tempo pode ser irremediável e a vida atroz. Pode acontecer de cairmos no esquecimento e nos tornarmos bruma no peito de amigos de outrora. Pode a corda de um violoncelo romper e nunca emitir aquele timbre novamente. Nunca se sabe, cada um guia o seu destino da forma que deseja. Mas pode acontecer, também, da pausa intensificar a última nota no âmago de quem lembra e tornar os próximos acordes mais intensos do que nunca. Aqueles que amamos de alma dificilmente se tornam bruma, permanecem indefinidamente em nossos peitos.

Existem amizades que podem ser regidas a distância; Que a simples ciência da existência do outro dá continuidade a sua partitura. Que não importa se um está no Brasil e o outro na Argentina, a sonata não pode parar. São um tipo raríssimo, que ocorrem pouquíssimas vezes em nossas vidas. São almas que reconhecem uma a outra pelo simples vento do destino; que anseiam pela existência simultânea e isso basta. Há amizades que existem para serem regidas juntas e, sempre que se encontram ou desencontram, inspiram Chopins e Beethovens.

Num concerto, há também, aqueles instrumentos que entram uma única vez. Que executam os seus solos e se vão para sempre, mas que nem por isso perdem o seu lirismo. São efêmeros e intensos da mesma forma que é uma estrela cadente no céu noturno. Não são brumas pois não são esquecidos. Executam a sua música de forma indelével.

Após a epifania o meu coração deixou de ser lúgubre, todavia beira perene a linha da alegria e da melancolia, como que se cada nota fosse uma insígnia nostálgica. Viver vale a pena pelas pessoas que passam por nós. Essa nossa partitura se caracteriza por seu infinito rodísio, pelas idas e vindas de intrumentos que tocam alto em nossos corações. Quando a partitura chega em seu fim, ela, de súbito, vira arte e se executa por si só.


Eder de A. Benevides

Um comentário:

  1. Olá Eder,
    Como é que um garoto consegue escrever assim?
    Que racionalidade e alinhamento de pensamento!
    Parabéns,
    É preciso postar mais trechos, porque o seu talento, não pode estar escondido na gaveta.
    Abraços com luz.

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