terça-feira, 8 de maio de 2012

A Bomba do Amor - Parte 3

Lucas ouviu a estória do pêndulo com muita atenção. Fez vária perguntas sobre o misterioso Melquíades. Se a vó o vira outra vez, se trazia com ele outras relíquias encantadas, se ele ainda vagaria por aí junto com a incrível caravana. Entretando, Meméia não pôde responder aquelas perguntas. Passara a vida inteira imaginando as mesmas coisas, sempre esperançosa de encontrar o enigmático cigano mais uma vez. Por fim, ela entregou o delicado objeto ao neto, que o segurou com certo receio. Não sabia o que fazer com aquilo, como o ajudaria a construir a sua grande engenhoca.

- Vó, você descobriu o que ele faz?

- Nunca descobri ao certo, mas conheço o seu poder. Sei que poderá ajudá-lo. - disse a velhinha, confiante.

- Como então você conhece o poder se não sabe como funciona ?

- Eu descobri que a mágica funciona por seus próprios meios, e não por meio de uma lógica. Não é igual nos contos de fada em que basta pronunciar palavras encantadas que o encanto está lançado. O pêndulo funciona de acordo com os sentimentos de quem o carrega. - Lucas ouvia sem piscar os olhos - Ele me serviu a vida inteira, me ajudou a criar todos os meus iventos, a passar pelas situações mais sofridas e respeitar a mais profunda e verdadeira mágica.

A expressão do neto mudou.

- Então, por que não ajuda a mamãe? Por que deixou que Papai se fosse? Vó! Por que não fez nada? - Disse Lucas com uma tristeza enorme e uma decepção maior ainda.

- Lucas, meu amado neto - disse com ternura. O pêndulo só pode ajudar quem o carrega. Tentei passá-lo para Luiza ( mãe do Lucas ), porém, ela nunca acreditou em mim. Sempre achou que eram bobagens minhas, invenções, delírios! É por isso que não pude ajudá-la. Agora estou lho dando, na esperança de que consiga trazer alegria para sua mãe e para muitos outros com esse seu projeto tão bonito.

- Mas você disse que o pêndulo só é mágico para quem o tem.

- Mas disse também que ele funciona por seus meios próprios e de acordo com os sentimentos de cada dono. Querido, já está tarde. Deve ir para casa.

Já era noite. Lucas colocou o pêndulo de Melquíades no bolso e foi para casa. Encostou a bicicleta no portão, entrou e viu que o quarto da mãe continuava fechado. Empurrou a porta e, com ela entreaberta observou a silhueta lúgubre da mãe deitada.

- Filho, mamãe não está se sentindo bem. Já está na hora de dormir. Amanhã tem aula cedo. - Disse a mulher com a voz fraca e minguante.

Foi tomado por uma melancolia estranha ao coração dos pequeninos. Sentia saudades do tempo, não tão distante, em que era profundamente feliz. Do tempo em que o sorriso de sua querida mãe tinha o poder de arrancar-lhe a alegria do peito mesmo quando estivesse mais raivoso. Gostava de passar as tardes desenhando com suas canetinhas coloridas para depois mostrar a grande pilha de lindos desenhos, os quais Luiza comentava um a um com o júbilo saltando aos olhos. Não queria mais o frio e a aura soturna que tomara o seu lar. A volta dos tempos cálidos e luminosos era o seu maior querer. Foi dormir com o pêndulo apertado por suas mãos e não o soltou por um único instante.

Sonhara com toda a estória da vó. Com o velho Melquíades, com sua mãe, com o pai. A cada momento o sonho parecia prenunciar algo de grande que aconteceria na hora em que acordasse. Tivera alguns lapsos do futuro, todavia, não pôde os compreender, pois tudo era turvo e confuso. Com o tempo os sonhos foram se diversificando e dando lugar a sonhos mais leves e normais, até que a alvorada chegasse.

Pela manhã, acordou mal humorado. Não queria ir à aula, mas lembrou-se de que seria literatura o tema do dia. Sempre gostou da matéria pois adorava ler. Lia os mais diversos livros que a Vó Meméia constantemente lhe dava de presente. As Crônicas de Narnia, O Pequeno Príncipe, Sherlock Holmes, Vinte Mil Léguas Submarinas. Entretanto, essa aula não seria sobre fantasia, mas sim sobre poesia! Chegou à sua sala e a professora já começava a explicação.

- Alunos. Hoje Falaremos sobre o lindo mundo da poesia.

Todos ficaram perplexos, pois poesia sempre parecera algo demasiado chato e enfadonho. O semblante dos alunos não desencorajou a professora, chamada por eles de Tia Jú.

- Gente, a poesia é um forte modo de expressar o que se sente e um ótimo meio de presentear uma namorada! - Disse triunfante - Pois só os verdadeiros românticos escrevem poesia e conquistam a menina dos sonhos.

As meninas moveram a cabeça como se concordassem com as palavras da Tia Jú. Alguns meninos fizeram cara de eca e outros questionaram porque só as meninas deveriam receber poemas. Pouco a pouco a professora despertava o interesse dos alunos, que prestavam cada vez mais atenção na aula. Lucas estava absorto na explicação desde o inínio, pois aquilo o interessou fortemente. Como nas estórias da Vó Meméia, sequer piscou os olhos.

Durante o dia, Tia Jú os mostrou vários poemas: Shakespeare, Drummond, Pablo Neruda. Explicou a estrutura - como são separados em versos e estrofes - a metáfora, as figuras de linguagem. Contou da vida dos grandes poetas e de como gostava deles. Por fim, explicou o fenômeno como um grande céu, incólume, livre de tudo o que foge da essência, onde às estrelas são atribuídos significados. O brilho desses astros, no céu do poeta, é a reverberação de seus próprios sentimentos, de seu próprio eu. Era o esplendor da própria matéria que constituia o coração humano. Falou complicado e muitas das crianças, que ainda estavam na quarta série, não entenderam as palavras bonitas da jovem professora. Lucas estava extasiado. Compreendera cada palavra. Sentia que havia descoberto um grande tesouro cujo significado ainda se fragmentava em sua mente.

Foi então que um livro foi entregue a cada aluno. Deveriam ler as poesias e achar aquelas que mais os agradassem. Lucas pegou um livro de poemas de amor, leu vários deles e imergiu em um êxtase distinto. Parecia que a infelicidade dos seus dias sumira por aquele momento de reflexão. Cada estrofe o trazia paz indescritível. Sentiu, então, algo vibrar no bolso direito. Enfiou lá a mão e percebeu que o pêndulo vibrava forte. O que será que significava aquilo? Algo de mágico estava acontecendo.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Pareço-me um Lucas, carregando um pêndulo ao lado esquerdo do peito, que pulsa ao menor sinal de poesia.

    \o

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