segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Bomba do Amor - Parte 4

Com o pêndulo entre os dedos, Lucas pôde sentir que um palpite permeava o seu imaginário. Olhava para Tia Jú, para o livro e para os colegas. Estava irremediavelmente inquieto. Que mensagem aquela vibração tentava transmitir? Folheou mais uma vez o livro de poemas, e, a cada página, o palpite se construía mais, amiúde se tornava uma mensagem clara. Foi então que a professora os pediu que escolhessem o poema que achassem mais bonito, fossem à lousa e o escrevesse. O primeiro a ser escolhido foi Lucas. A inquietude tomou-lhe as pernas, a cabeça e o coração. Sentiu que estava prestes a fazer algo de augusta importância. Pôs-se frente à sala, fitou os seus coleguinhas nos olhos e suspirou profundamente. Virou-se, pegou um giz sobre a mesa da professora, abriu o livro na página da poesia escolhida e começou a escrever. A cada palavra escrita o pêndulo vibrava mais forte, junto às batidas fortes de seu coraçãozinho.

As Sem-Razões do Amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante
e nem sempre sabes sê-lo
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamento vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Terminou de escrever o poeminha de Drummond e virou-se. Quando se deu conta viu que todos os coleguinhas e até a professora estavam profundamente emocionados. Pedro e Júlia, que viviam brigando e implicando um com o outro, estavam, naquele momento, abraçados. Tiago, o valentão da turma, derramava lágrima sem parar, e a professora, que já havia lido aquele poema dezenas de vezes, olhava-o com absoluta incompreenção, pois não sabia o porque de estar tão emocionada. A sala de aula ficava cada vez mais harmônica e podia se sentir no ar algo de leve e bom. Lucas, depois de alguns segundos de perplexiadade, soube que aquilo era, certamente, obra do pêndulo de Melquíades. Vó Meméia havia lhe dito da Nitroglicerina do Amor e a resposta da matéria prima dessa substância agora lhe era clara "é a poesia!".

Após a aula correu para casa. Entrou, viu novamente a porta do quarto da mãe fechada, respirou fundo e se trancou no antigo escritório do pai. Pegou várias folhas de papel, o livro de poemas e refletiu, por vários minutos, numa forma de, primeiramente, ajudar a sua amada mãe. Leu todos os poemas, mas nenhum lhe pareceu bom o suficente para tirar Luiza daquela profunda depressão. Queria algo que a deixasse, sem nenhuma dúvida, feliz. Precisava de ajuda. Saiu do quarto, pegou a bicicleta e pedalou o mais rápido possível para a casa da vó.

Meméia trabalhava em pequenos e delicados bonequinhos de biscuit quando Lucas entrou esbaforido pela porta da varanda. O neto, desajeitado, tirou um papel do bolso com alguns versinhos escritos e a pediu que os lessem. Sentiu-se extremamente feliz e contemplada, como se tivesse lido a mais pura essência do sentimento humano. Os bonequinhos que modelava ficavam a cada instante, depois daquela leitura, mais bonitos. Olhava para o neto, que parecia demasiado apreensivo, e sorria e gargalhava e lhe dava bonequinhos para que também modelasse. Ouviu a incrível estória do neto e fizeram algumas experiências. Meméia lia os poemas que estavam no livro e os poemas escritos pelo punho de Lucas. Foi então que a velhinha compreendeu a exata medida do poder que a mágica conferira ao netinho. Lucas podia tocar o coração das pessoas com a poesia, mas apenas com o que fosse escrito à mão.

- Vó, agora eu preciso ajudar mamãe. Mas não sei qual poema escolher. Quero deixá-la escandalosamente feliz.

- Lucas, eu tenho um palpite. Acho que nada seria mais forte do que algo escrito por você mesmo. Porque não há mais ninguém que ame tanto a sua mãezinha do que o próprio filho, não é verdade?

- Há sim. Você que é mãe dela.

- Mas quem tem o poder é você.

- Mas não sei escrever poesias. Nunca escrevi uma em minha vida.

- Ué, mas não há segredo. Só é preciso sentir, pegar a caneta e se deixar levar. Poesia é a arte do coração e para escrevê-la, basta sentir. Faça uma grande surpresa!!

- Sabe o que eu queria também?

- O que, meu lindinho?

- Que papai voltasse.

O pai de Lucas os havia abandonado do dia para noite, sem nenhum motivo aparente. Haviam ido ao circo um dia antes do sumiço. Lá riram, brincaram e se divertiram com todos aqueles espetáculos. O favorito, tanto de Lucas quanto do pai, era o terrível globo da morte. Assistiam os dois com os olhos entrecobertos, com apenas uma frestinha entre os dedos. Comeram pipoca, cachorro quente e compraram vário balões de gás hélio. Lucas imaginava quantos seriam precisos para que alçasse voo. Não imaginariam jamais o que seguiria. Fora no aniversário de Luiza que encontraram sobre a mesinha de centro da sala um bilhete.

Eu os amo, mas precisei partir. Espero que Lucas se torne um homem melhor do que eu.



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