sábado, 19 de março de 2011

Acho que perdi a mão para escrever. Há tempos que não consigo construir uma prosa descente, e, inevitavelmente, tudo o que escrevo soa artificial. Não sei o que anda acontecendo, mas estou com a funesta impressão de que os meus dias de escritor possam estar contados. A minha sintaxe, aquela da qual me orgulhava de dominar, tornou-se um touro indomável. Não digo a sintaxe impressa nas folhas de uma gramática, pois essa, para dominá-la, basta algumas horas de dedicação. Falo da minha própria sintaxe, aquela intrínseca nas entranhas de cada escritor, que faz uma oração subordinada essencialmente distinta da outra.

Escrever sempre foi fácil para mim, não que eu seja um exímio conhecedor da língua, mas mesmo dentro dos diversos erros de ortografia, conjugação, pontuação e sintaxe, a minha própria sintaxe estava correta e perfeita, digna de uma estrelinha de professora. Agora mal posso manejá-la, preciso escrever com calma, pensar repetidas vezes na estrutura e amiúde ir modificando aqui, ali e acolá. Parece que as letras se rebelaram contra mim; que hastearam bandeiras vermelhas e se insurgiram contra a infraestrutura vigente e a ditadura da minha caneta.

Outro problema que venho enfrentando é a falta de criatividade. Ultimamente não tenho sequer hesitado em cair no senso comum. Cada textinho piegas que PUTAQUEPARIU! Frases prontas, ditados populares, apelos emocionais, acho que estou me tornando algo muito próximo de roteirista de telenovelas. Não sei o que ocorre, mas as inspirações não vêm, formaram junto com as letras um grande complô e agora planejam o meu fim. Os prosaísmos se foram e agora só me restou a alvura das folhas de papel.

Para completar sonhei outro dia que estava nu e deitado em um divã forrado com veludo verde, e, a minha frente, Oswald de Andrade,em preto e branco, me fitava perplexo. De prontidão o revelei a minha impressão:

- Acho que perdi a mão.
- Tem certeza disso?
- A mesma certeza que Aristóteles tinha quando criou a metafísica.
- Metafísica é metafísica, prosa é prosa.
- No meu caso é prosa.
- Quais os sintomas?
- O fim do acordo matrimonial ente a caneta e o papel.
- Mas matrimônio não é tudo. Casa-se, descasa-se, casa-se de novo. Acho que o seu problema é a falta de deglutição.
- O que?
- Coma a minha mão.
- Não quero.
- Então coma a minha perna.
- Nem um pedaço de você me interessa.
- Viu? Esse é o seu problema.


Eder de A. Benevides

Nenhum comentário:

Postar um comentário