domingo, 20 de março de 2011

Na realidade nascera muitos anos antes do dia de seu parto. Agora estava ali, inerte no dinamismo de seus próprios pensamentos. Vira o seu mundo mudar e os júbilos dos anos que se foram perderem a graça com a cadência dos seus suspiros moribundos. As mãos estavam suadas e as pernas inquietas. Foi à cozinha, abriu o armário com a letargia dos hipocondríacos insones, segurou o copo que achava mais bonito e serviu-se com água do filtro. “Água e garganta seca combinam muito bem” pensou ele. Pensou também nas mensagens que recebera mais cedo, mas não quis as ver. Seriam confirmações de uma mentira interesseira que não o interessava mais. Estava cansado da superficialidade e da casualidade daqueles encontros frívolos e sórdidos. Na realidade estava cansado de tudo e, algumas vezes, até de si mesmo. A sua presença perene o incomodava profundamente, queria livrar-se de si e ser qualquer outra coisa nesse universo. Não agüentava mais a própria voz, o hábito horrível de ser artificialmente otimista, a carência patética, o pseudo-intelectualismo (...). Não obstante, vez ou outra, se admirava, achava-se sensível, honrado, inteligente, divertido (...), para ser sincero, ele nunca fora constante em seus pensamentos.

A água descera bem, talvez agora pudesse dormir ou se jogar da sacada de seu prédio como planejara. Escolheu mais uma noite de sono. Deitou-se e dormiu, dormiu por hoje. Imergiu no sonho da sua consciência carregada; num labirinto de fantasmas da sua própria realidade, de seus próprios medos, de suas próprias dúvidas que, meu Deus, eram numerosas e irreversíveis. Pessoas o torturavam com sorrisos maliciosos e comentários perversos. O desespero transava com a perplexidade num ato sujo e sem esperanças. A solidão poderia o salvar, mas, mesmo assim, haveria um grande espelho de cristal para lembrá-lo de si próprio. Não poderia mais contagiar o mundo com a sua ridícula existência e, em um lampejo, disparou o revolver contra a sua cabeça conturbada. Acordou. Os seus miolos ainda estavam no lugar onde deveriam, para o seu alívio e agonia. Já era manhã, uma alvorada instável e sem perspectivas para um crepúsculo.

Para ele, existir era penoso.
A sua vida foi um passo
Um descompasso.
Um lampejo de engodo.
Ocorreu que numa tarde
Sem fé e vontade
Quis dar cabo de si
E morrer bem ali
Na sarjeta de sua expiação
Nas tentativas em vão
De sentir um prazer palpável
De dormir num leito amável.
Sem culpa
Sem dor
Sem ilusão.



Eder de A. Benevides

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