quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ressaca

Amiúde as ondas se quebram e viram espuma. Uma a uma numa sonoplastia periódica. É o fluxo de um ciclo inquebrantável. A lua, com a sua atração, controla as marés. As ondas, na verdade, são porções de água atraídas pela força gravitacional do astro celeste. Posso dizer que alguma força análoga tem esse efeito sobre mim.

Estava eu absorto com o vento no meu rosto e a maresia ensebando os meus cabelos. A minha atenção estava na ressaca poderosa do mar. Meus olhos, naquele instante, como num romance machadiano, também eram de ressaca. O mar estava cinzento assim como o céu, assim como o meu âmago. Eu era todo o oceano, e meus fluxos controversos de impulsos, meus sonhos, meus objetivos, eram como as vindas e vindouras ondas. O mar, indubitavelmente, me compreendia e eu, de alguma forma, pude compreender a sua eternidade de dias cinzentos. Compreendi a violência, a confusão e a agonia de seus movimentos. Meu espírito movimentava-se mimeticamente.

Às vezes a perturbação na superfície do âmago me dá náuseas. Penso que isso deva ocorrer por conta do contato mais íntimo que é estabelecido com os componentes de minhas entranhas. De fato é uma experiência desagradável, não obstante há dias em que é preciso vomitar para que se saiba o que na realidade o fez mal. Sempre quero vomitar, mas sempre hesito em botar o dedo na garganta e colocar o que está me ferrando para fora. Tudo o que consigo fazer é me sentar na areia da praia e compartilhar dos desconfortos com o mar. Compreensivo amigo que serve de espelho para as nossas desventuras.

Não sei, mas pode ter sido em um desses dias que Escobar resolveu dar cabo de sua vida junto a ressaca do oceano. Junto aos olhos de Capitu. E é talvez em um desses dias que eu consiga vomitar o fel amargo que me atormenta.


Eder de A. Benevides

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