quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Individualismo,machismo, gênero e a construção de uma cultura de afeto.

Sempre fico surpreso e empolgado com as demonstrações de afeto que recebo das pessoas que conheço e que deixam, pelo menos, um sorriso que for em minha memória. É bom se sentir querido e saber que a sua presença, às vezes, é capaz de tornar o dia de alguém mais feliz. Às vezes fico mais feliz do que a pessoa, só por saber que fui capaz de lhe trazer uma centelha de alegria. Acho que sou alguém muito contente por me surpreender tanto, porque, para mim, o carinho é sempre impactante e especial, nunca se torna indiferente. Em meio a tantas surpresas e empolgações meus neurônios se organizaram em uma reflexão, que, a priori, parece muito óbvia e pouco notável: “O afeto nos torna pessoas melhores”.

A problemática não está na obviedade, está na prática. Vivemos em um mundo em que o afeto foi colocado em segundo plano. O afeto é menos importante do que a sua privacidade; do que o seu âmbito individual. Somos indiferentes, cada dia mais, aos sentimentos alheios. A palavra compaixão, com a sua raiz latina, significa “compartilhar o sofrimento alheio”, ou seja, não ser indiferente àquilo que aflige o outro. Quando li A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera, compreendi o sentido pleno da palavra pois o autor, além de divagar poeticamente sobre a sua ocorrência, traz etimologia da palavra tanto na raiz latina quanto na germânica. Nessa última, a palavra compaixão traz um sentido ainda mais amplo. compaixão no tronco germânico quer dizer “compartilhar do sentimento alheio”, ou seja, qualquer sorte de sentimento, da alegria à tristeza. Nós vivemos na indiferença de uma sociedade capitalista marcada pelo binômio indivíduo/sociedade civil, em que o consumo e –falsos- valores de privacidade são prestigiados em detrimento do afeto. A compaixão perde a sua definição tanto de um lado como para outro. Da criança de rua que pede comida à alegria de alguém que sorri enquanto caminha, a negligência tem conquistado a sua hegemonia.

Além do individualismo do próprio sistema que nos faz indigentes em meio a massa, há ainda agravantes culturais como o machismo e a enrijecida separação de gênero. Somos levados, desde pequenos, a tratar o afeto com muitos dedos e poréns. O menino no maternal aprende que deve usar azul, que NÃO deve beijar os amiguinhOs no rosto e que se beijar uma amiguinhA, é porque quer namorar. São entregues verdadeiras camisas de força do gênero que inibem trocas afetivas diversas. O afeto é condicionado ao sexo e à sensualidade desde o jardim de infância. Com os anos, um menino que troca qualquer tipo de carinho com outro menino é chamado de “viadinho”, como se a homossexualidade fosse algo errado e, tão ruim quanto, como se trocas afetivas sem nenhum teor sensual estivessem diretamente ligadas a homossexualidade. A menina que é carinhosa “demasiadamente” com meninos é chamada de dada, fácil ou qualquer coisa pior, como se seu afeto indicasse um interesse sexual certo. Outros tipos de troca de chamegos são vistos com uma estranheza absurda oriunda de uma educação enrijecida e deficiente. As formas de afeto inibidas vão muito além desses exemplos e merecem ser tratadas com uma profundidade maior em outro texto.

Com o individualismo e o afeto condicionado, o novo ser social, que cresce e se ergue em sua sociedade, se cobre de uma carapaça que torna às relações de carinho e gentileza muito difíceis. Dessa forma somos reprimidos, temos nossa capacidade de interagir e viver experiências diferenciadas reduzidas ao nosso âmbito individual, ao machismo e aos estandartes de gênero impostos por nossa sociedade. Puxar conversa no ponto de ônibus, ou até mesmo distribuir sorrisos gratuitos na rua, tornou-se indiscreto, inconveniente. Somos impedidos de nos tornar pessoas melhores.

Daí vem a necessidade de se construir uma nova sociedade, a sociedade do afeto. É necessário que ensinemos às novas gerações a serem menos individualistas. Também é preciso que todos briguemos pelo fim das amarras de gênero e afeto, não importa se somos homens, mulheres, heteros, homossexuais, bis ou qualquer outra forma de identificação sexual. Brigar pelo fim dessas amarras é garantir que nossos filhos vivam em uma sociedade menos repressora; é impedir que nossos filhos sofram tantos bullings na escola, que a sua filha apanhe do namorado machista, que seu filho homossexual seja espancado apenas por ter outra identificação afetiva. É resgatar as noções de compaixão e carinho fraterno, sem poréns, o carinho pelo carinho, descondicionado à sexualidade. Além disso, é garantir que essas gerações venham cheias de “pessoas melhores”, mais gentis, bem resolvidas com a sua afetividade e livres para serem felizes, porque feliz mesmo é quem sorri e olha nos olhos sem ressalvas.

Eder de A. Benevides

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